Nilson Donadio
Nilka Fernandes Donadio
As técnicas de reprodução assistida laboratorialmente incluem as que manipulam somente os gametas masculinos, depositando-os preparando previamente em algum ponto do trato genital feminino, e aquelas em que ovócitos e espermatozoides são assistidos no laboratório, sendo depois transferidos como zigotos ou pré-embriões.
A reprodução artificial há muito vem sendo realizada em animais inferiores. No fim do século passado Heape transplantou, com sucesso, pré-embrião do oviducto de uma ovelha para o útero de outra espécie deferente. Lavados uterinos ou tubários de diferentes animais, contendo pré-embriões, são trabalhados rotineiramente, na veterinária; transferem-se pré-embriões bovinos de doadoras de excelentes qualidades para úteros de outras vacas de menor valor, mas melhor adaptadas ou resistentes, visando preservar e reproduzir aquelas de melhor estripe.
A intromissão do homem na natureza ficou mais patente na obtenção de pré-embriões, juntando espermatozoides e óvulos. Assim, Chang teve sucesso na fertilização in vitro, juntando gametas de coelhos.
Aceita-se como primeira fertilização in vitro bem-sucedida, apesar de ter ocorrido gravidez tubária, aquela de Steptoe e Edwards. Aquele trabalho inaugurou a obtenção de ovócitos pela via laparoscópica, após estimulação ovárica com gonadotropinas extraídas da urina da mulher na pós-menopausa (hMG). Tem permanecido omisso nas referências o pioneirismo de Raoul Palmer, em Paris, na obtenção e ovócitos através de laparoscopias; o procedimento foi presenciado por Steptoe, antes dos seus trabalhos na Inglaterra.
O primeiro bebê de proveta foi conseguido por Steptoe e Edwards, através da fertilização de ovócito colhido em ciclo espontâneo. O nascimento de Louise Brown motivou intenso intercâmbio entre os países, através de congressos e publicações. Grupos australianos insistiram na obtenção de ovócitos através de superovulação medicamentosa e também na maturação prévia, em cultura, antes da inseminação in vitro (Trouson e Wood).
Na América do Sul, muitos serviços iniciaram trabalhos e começaram a divulgar seus resultados. No Brasil, os resultados quanto a nascimentos surgiram desde 1982 a 1983 (Donadio et al.). As novas técnicas de gametas ou pré-embriões, ovo-doação, micromanipulações de ovócitos, obtenção de espermatozoides viáveis diretamente do epidídimo ou testículo , injeção de espermátides, a maturação ovocitária e biopsia para diagnóstico pré-implantatório, foram rapidamente assimiladas em nosso meio, revolucionando a abordagem dos casais com problemas de fertilidade.
Todas essas alternativas, denominadas ART (“artificial reproduction technologies”), ocupam o lugar defibitivo nas condutas alternativas ou indicações primárias (Handsyde et al., 1990). O genoma humano, que é mapeamento de nossos cromossomos e seus determinismos, levará a melhor diagnóstico das eventuais anomalias e melhor prognósticos pré-implantação. Na atualidade, embriões biopsiados são mantidos congelados ou frescos e selecionáveis, na expectativa de transferência, se diagnosticados como normais, ou descartados, se patológicos.
Em contrapartida, teme-se desumanização da reprodução, pela expansão exagerada e até amoral dos embriões clones humanos, que o futuro conseguirá e julgará.
Uma das preocupações na área de reprodução humana é a substituição desmensurada dos tratamentos convencionais pelas modernas técnicas de RA. Devem-se analisar vantagens e desvantagens considerando os riscos inerentes aos medicamentos, também utilizados nas técnicas de RA, que envolvem: síndrome de hiperestímulo, maior incidência de gemelaridade, partos prematuros, risco maior de gravidezes ectópicas, desconhecimento das implicações quanto a neoplasias do ovário após estímulos ovarianos repetidos (Shusman et al.). Possíveis repercussões da introdução de material estranho no ovócito, após injeção intraplasmática de espermatozoides (ICSI) e, por fim, o risco de aumento de cromossomopatias após ICSI com espermatozoides ou células que se originam de pacientes antes considerados estéreis.
Considerando-se as técnicas de RA como alternativas, as mesmas devem ser aplicadas nas falhas dos outros métodos promotores de gravidez desejada, mas nunca como panaceias para solução das causas de subfertilidade. Deve-se levar em conta que a RA não representa, em si mesma, permanecendo a doença básica. Para evitar tornar-se procedimento elitista, deve ser popularizada entre todos os médicos ginecologistas e urologistas , e ao alcance das diferentes classes socioeconômicas.
Manuseia-se sêmen total, isto é, o ejaculado, sem separar os espermatozoides do plasma seminal. Este material é depositado na vagina, nunca além do canal cervical uterino, devido a presença de diferentes antígenos e outros elementos fugurados do sêmen. É a inseminação clássica ou médica, que será detalhada quanto às indicações e variantes técnicas.
Denomina-se a inseminação clássica, ou convencional, como homóloga ou heteróloga, conforme a origem do material seminal: do marido(“husband”) ou de doador (“donor”). Não se considera ética a inseminação mista, ou seja, com mistura de procedências diferentes.
Difere das anteriores pela seleção e capacitação dos espermatozoides, que inseminados após manipulação em meio de cultura, livres do plasma seminal, dos elementos antigênicos e outras células. As amostras podem ser homólogas, proveniente de material ejaculado fresco ou descongelado, de epididimários (quando a concentração de espermatozoides for suficiente) ou ainda de doadores. Na inseminação artificial heteróloga, os doadores são selecionados e as amostras estocadas até que risco de transmissão de vírus como HIV tenha sido afastado.
Em ciclos espontâneos ou medicados, obtêm-se ovócitos para imediatamente transferi-los, juntos os separados, com espermatozoides selecionados e capacitados para as tubas. A transferência é realizada no transcurso de laparoscopia, laparotomia, minilaparotomia e minilaparoscopia (Asch et al.).
As duas amostras(espermatozoides e óvulos) são transferidos no mesmo cateter, em gotas separadas ou em única gota. Nos dias de hoje, habitualmente, procede-se à captura dos ovócitos previamente por via transvaginal com guia ultrassonográfico. Este procedimento pode ser aplicado durante diagnóstico ou tratamento de fator tuboperitoneal, endometriose entre outras patologias. A transferência intratubária de gametas (GIFT), excepcionalmente, é executada mediante transferência de gametas para a as tubas pela via transcervical atransuterina.
Obtidos os ovócitos, estes interagem em cultura com espermatozoides até serem fertilizados. Como zigotos pronucleados(presença do pronúcleo masculino e feminino), são depositados nas tubas através de diferentes procedimentos cirúrgicos(Devroey et al.). Estas intervenções ocorrem aproximadamente após 24h após a captura dos óvulos e da inseminação in vitro caracterizando a ZIFT(‘zygote intrafallopian transfer”) (Devroey et al.;Blackdge et al.). Mantendo gametas interagindo em cultura por mais tempo antes da transferência, ocorre a divisão do zigoto, dita clivagem. Este procedimento é denominado agora de TET(“tubal embryo transfer”). Observa-se que na ZIFT ou TET manipulam-se embriões, enquanto na GIFT, somente gametas.
Nesta técnica, os ovócitos são inseminados in vitro como na ZIFT ou TET, porém, transferem-se os embriões com dois, quatro ou mais blastômeros, mesmo com blastocistos, para o útero e não para as tubas. Logo, não há preocupação com a permeabilidade tubária, embora possa ocorrer gravidez ectópica em decorrência de refluxos ou migrações. A deposição intracavitária ocorre 50 a 70h após a inseminação in vitro, e é feita geralmente por via transcervical. Para evitar gravidezes múltiplas, conforme o caso, transfere-se mais tardiamente dois a três blastocistos, isto é, estágio obtido mantendo-se embriões de 4 a 6 células em cultura por mais 2 a 3 dias.
Nesta técnica, os ovócitos são inseminados in vitro como na ZIFT ou TET, porém, transferem-se os embriões com dois, quatro ou mais blastômeros, mesmo com blastocistos, para o útero e não para as tubas. Logo, não há preocupação com a permeabilidade tubária, embora possa ocorrer gravidez ectópica em decorrência de refluxos ou migrações. A deposição intracavitária ocorre 50 a 70h após a inseminação in vitro, e é feita geralmente por via transcervical. Para evitar gravidezes múltiplas, conforme o caso, transfere-se mais tardiamente dois a três blastocistos, isto é, estágio obtido mantendo-se embriões de 4 a 6 células em cultura por mais 2 a 3 dias.
A cada dia, as técnicas de FIV vêm se desenvolvendo no sentido de cada vez mais aumentar a taxa de fertilização e o numero de embriões. Esta evolução se iniciou com a microinseminação in vitro ou seja, ovócitos eram inseminados em microgotas de 5µl de meio de cultura, visando a maior aproximação entre gametas masculinos e femininos.
Surgiram depois técnicas utilizando aparelhos conhecidos como micromanipuladores, que permitiram a manipulação dos gametas através de micromovimentos com agulhas especiais (fig. 152.1)

Figura (152. 1) – Técnica em RA: FIV, GIFT. ZIFT, TET, micromanipulação. Ovócito: A = imaturo com vesícula germinativa; B = em metáfase I; C= em metáfase II (presença de corpúsculo polar); D = após 3 a 6h para maturação em estufa a 37° C, 5%de CO e 98% de umidade; E = espermatozoides capacitados; F = cateter contendo gota com ovócitos e gota com espermatozoides capacitados; G = cateter introduzido na tuba, durante o próprio ato cirúrgico onde foram capturados os ovócitos (GIFT); H = placa de Petri contendo gotas de 20µl de meio de cultura sob óleo, em cada qual são colocados um ovócito e 100 mil espermatozoides móveis capacitados, para que ocorra fecundação (FIV convencional); I = placa de Petri com microgotas de 5µl, sob óleo, em cada qual saõ colocados um ovócito e espermatozoides móveis capacitados, para que ocorra a fertilização (microinseminação); J = ovócito após exposição à hialuronidase, para retirada de células da granulosa e sucrose, para o aumento do espaço subzona; K = passagem de microagulha de injeção transfixando a zona pelúcida em dois pontos, promovendo a formação de pertúitos; L = ovócito com a zona parcialmente dissecada, facilitando a penetração dos espermatozoides capacitados (PZD); M = introdução, através de microagulha, de 5 a 10 espermatozoides não espaço subzonal (SUZI); N = introdução, através de microagulha, de um único espermatozoide diretamente no citoplasma do ovócito (ICSI); O = após 12 a 18h da inseminação, verifica-se a fertilização quando há formação de pronucleo masculino e feminino; P = transferência de pronucleado para a tuba (ZIFT); Q = após 24 a 48h da inseminação, verifica-se a divisão do pré-embrião, que apresenta 2 a 4 blastômeros ; R = entre 48 e 72h após a inseminação, faz-se a transferência do pré- embrião para o útero, através da cateter de frydman(FIVETE), ou para a tuba (TET).
Nosso serviço, visando a óvulo-doação de maneira menos aviltante para a doadora, criou um programa onde pacientes com menos de 36 anos, com prole constituída, que serão submetidas a pequenas intervenções laparotômicas, laparoscópicas ou perineais (ligadura, cirurgia de Kelly-Kennedy entre todas) após esquemas brandos de indução, doem seus óvulos obtidos durante esse procedimento cirúrgico. Os canais doadores recebem compensação parcial dos seus gastos hospitalares e honorários médicos, promovido pelos receptores.
Troca ou substituição de citoplasma ovocitário – É aplicada em pacientes idosas ou com sucessivas falhas na reprodução assistida. Pode ser realizada de duas formas distintas: na primeira, pequena porção citoplasmática de ovulo doado é injetada durante a injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI) em óvulo de receptora idosa. Na outra técnica, injeta-se a vesícula germinativa de ovócito imaturo em outro ovócito imaturo doado por mulher jovem enucleado previamente. Aplicação controversa em humanos é dada à insuficiente informação sobre os possíveis efeitos, fenotípicos e genotípicos, no concepto, do DNA mitocondrial presente no citoplasma da doadora.
Em casais normais, é óbvio, ser contra-indicada a RA como medida preventiva ou social, em face dos riscos inerentes aos procedimentos. Nestes casos, aguarda-se que completem o tempo para ocorrer a gravidez espontânea. A superovulação com inseminações ou fertilizações in vitro, teoricamente não aumenta as chances de gravidez nem transforma um casal normal em superfértil.
É passível de discussão a indicação de RA em mulheres após os 35 anos , casado há 12 meses, com coitos e espermogramas normais, e sem antecedentes de infertilidade, para contornar problemas decorrentes da idade, piora da qualidade de seus óvulos, com diminuição da chance de gravidez a cada ano.
As endocospias podem ser programadas para elucidar uma infertilidade de causa inexplicada, associadas a procedimentos como FIV e GIFT. Essas pacientes presumivelmente mostrarão normalidade também na laparoscopia e histeroscopia. Na vigência de manipulação da cavidade uterina durante laparoscopia acompanhada de obtenção de ovócitos, os embriões podem ser criopreservados e transferidos em outra oportunidade mais apropriada.
Havendo formação de pré-embriões, confirma-se ESCA, concluindo-se que os exames foram incapazes de diagnosticar o fator de subfertilidade. A inseminação artificial homóloga poderia ser incluída nos tratamentos alternativos. Não havendo a formação de pré-embriões, razões intrínsecas aos próprios gametas podem estar prejudicando a interação dos mesmos. Nestas condições, a FIV com ICSI representa a conduta básica.
A inseminação artificial homóloga e FIV são medidas alternativas nas falhas dos tratamentos clássicos. Em decorrência da superevolução e incremento do encontro de mais gametas na ampola tubária ou laboratório, aumenta a chance de gravidez diante de diferentes fatores ovarianos.
Com base nesses conhecimentos, muitos autores, ao tratarem de perturbações da ovulação diversas, utilizam, concomitantemente, inseminação artificial homóloga e superovulação. Na vigência de 3 a 5 insucessos, indica-se FIV não só como medida terapêutica, mas também para completar o diagnóstico da fecundidade dos gametas.
A FIV também está indicada após insucesso nas ressecções ováricas cuneiformes laparoscópicas, nos “drillings” dos ovários(20 perfurações com eletrocautério) e induções da ovulação, com ausência de gravidez. Antes da indicação da FIV para estes casos, recomenda-se um período médio de expectativa para gravidezes em torno de 14 a 18 meses.
Mesmo nas claudicações ovarianas primárias, são descritas gravidezes por FIV; no entanto, na impossibilidade de se obterem óvulos da paciente, indica-se a ovo-doação e fertilização pelos gametas dos parceiros (Lutjen et al.). Eventualmente, embrio-doação, se o casal aceitar ou houver fator masculino grave associado.
A hiperprolactinemia e o hiperandrogenismo devem ser sempre tratados antes, assim como hipertensão, diabetes e outras endocrinopatias frequentemente associadas ao fator ovariano e que comprometeriam o bem-estar materno e fetal.
Reconhecendo-se as limitações e riscos das laparoscopias (Bronsens) no fator tuboperitoneal, torna-se importante considerar a alternativa da RA nas seguintes condições:
Miomas, septos, sinéquias e pólipos, além das malformações associadas a outras patologias e fatores, são tratados préviamente, quando necessário. Prepara-se o útero para gravidez espontânea ou por inseminação artificial homóloga, ou inseminação artificial heteróloga, na vigência de tubas capazes , e para FIV, em casos contrários. Discute-se hoje o papel dos miomas no processo reprodutivo. Permanecem sem grandes discussões as miomectimoas em pacientes sintomáticas e naquelas com tumores maiores que 8cm(Remohi). Uma conduta a ser considerada é o uso de análogos de depósito de agonistas do GnRH antes da FIV, para diminuir o volume dos úteros aumentados por miomas, mio-hiperplasias e adenomiose, durante 3 a 6 meses, isolados ou associados a gestrinona (Donadio).
Alguns autores indicam, de rotina, histeroscopia diagnóstica previamente à RA. Tal conduta tem como objetivo observar as condições da cavidade corporal e detectar problemas eventuais que dificultem a passagem do cateter com embriões, nas FIV ou gametas, nas inseminações in vivo intra-uterinas. Sabe-se que o índice de gravidez, após transferências difíceis, cai para 9% (Donadio e Donadio), uma vez que o cateter carrega para dentro do útero, juntamente com os embriões, leucócitos, hemácias e outras substâncias que interferem na evolução do embrião. Cabe lembrar que, em 16% das vezes as histerossalpingográficas associadas a US não assinalam pequenas lesões orgânicas como sinéquias pós-curetagens, pólipos, ou mesmo endometrite, visíveis a histeroscopia.
A presença de ovários funcionantes e ausência de útero capaz é uma indicação para gravides com útero substituto (“surrogancy”). Tal condição é prevista pelo Conselho Federal de Medicina unicamente em parentes até segundo grau.
As endocervicites, pólipos endocervicais, estenoses adquiridas ou congênitas, septos e malformações devem ser tratados, em qualquer idade, antes de um procedimento de RA, o qual está indicado como alternativa no insucesso dos tratamentos clássicos. O tratamento prévio se baseia, entre outros motivos, em evitar que se carreie, na extremidade do cateter contendo pré- embriões ou gametas maculinos, materiais estranhos quando da passagem pelo canal cervical.
No fator cervical anatômico ou funcional, rebelde a tratamentos, indica-se a inseminação artificial homóloga, por 3 a 5 ciclos diante de seminogramas normais, oligoastenospermias relativas ou moderadas. Nas falhas do método ou fator masculino graça, indica-se FIV ou, eventualmente, inseminação artificial heteróloga.
Durante a prova de interação muco-sêmen(IMS), da pesquisa básica do casal, temos casos onde há provas negativas, pobres ou deficientes, isto é, ausência de migração adequadaou imobilização dos gametas no muco cervical. Seguindo-se com as provas mais complexas in vitro cruzadas, ou in vivo fúndicas uterinas, destacam-se casos onde a conclusão seria a presença de isoanticorpos antiespermatozoides. Nesses casos, uma alternativa inicial de tratamento seria inseminação artificial homóloga.
Estenoses relativas ou impermeabilidade aos cateteres de transferência, dado a sequelas cirúrgicas ou inflamatórias, e malformações inoperáveis, levam à aplicação de GIFT, ZIFT ou TET, face à impossibilidade de deposição dos gametas pela via transcervical.
Diversas condições, masculinas ou femininas, podem dificultar o acesso do espermatozoide ao trato genital superior feminino, e a solução para tais situações pode exigir recursos de RA. Entra elas citam-se:
A endometriose pélvica incide em aproximadamente 40% dos casais que consultam clínicas especializadas. O valor do tratamento dessas entidades para cura da infertilidade é discutível, principalmente nos estádios mais leves, onde as tubas são permeáveis e não existem distorções anatômicas pélvicas apreciáveis.
Não resta dúvida que as formas mais graves da doença, sobretudo aqueles casos que recidivaram após tratamentos clínicos e cirúrgicos, têm na FIV a principal alternativa para tratamento de infertilidade. É fato conhecido que a presença de endometriomas perturba, eventualmente, a resposta aos estímulos ovarianos ou as folículo-aspirações. Esvaziá-lospreviamente por punção, apesar da recidiva habitual, transitoriamente permita melhores respostas ováricas no processo de FIV.
É uma questão controversa, na literatura, se a endometriose interfere nos resultados da FIV. Para alguns, a endometriose, isoladamente ou associada a miomas, poderia comprometer a nidificação, sendo válido trata-la antes da FIV(Donadio; Pellicer e Remohi). Recentemente, alguns autores verificaram se menor a frenquência de gravidez pós FIV antecedidas de ressecçaõ de endometriomas, pela perda de tecido ovárico hígido.
Pellicer et al. Verificaram que ovócitos de doadoras com endometriose tiveram menos chance de promoverem gravidezes nas receptoras. No entanto, os efeitos citotóxicos da endometriose ainda são um assunto controverso, pois alguns grupos não encontraram a diferença nos índices de gravidez nas pacientes, com ou sem endometriose, que se submeteram à RA. Pergunta-se as aberrações cromossômicas encontradas nos focos de endometriose seriam transmissíveis à receptora, geneticamente.
Naquelas pacientes desejosas de gravidez, porém portadoras de grandes massas pélvicas de endometriose, com ou sem miomas, as cirurgias radicais devem ser conduzidas visando poupar ao máximo os ovários e manter o útero. Esta postura deve ser adotada sobretudo porque uma gravidez representaria fator de proteção para a recidiva da doença e favoreceria novas gravidezes espontâneas (Donadio et al.).
Escolha do procedimento de RA – Inseminação artificial homóloga, inseminação artificial heteróloga, FIV convencional, ICSI, ELSNI, ROSI ou ROSNI.
Dependendo do numero de espermatozoides viáveis recuperados pelos vários métodos de capacitação, e também das condições canaliculares do trato reprodutor feminino, em particular as tubas, escolhe-se o tipo de procedimento de RA a ser aplicado.
Genericamente, ultrapassando 5 milhões de espermatozoides do tipo a por mililitro, após preparo do sêmen, tenta-se com inseminação artificial heteróloga por 5 a 9 ciclos superovulados, se as tubas forem utilizáveis sem risco, procedendo-se de uma a três inseminações por ciclo.
Se, após o preparo do sêmen, conseguirmos recuperar apenas 1 a 5 milhões de espermatozoides do tipo a, diversas técnicas de RA podem ser aplicada: inseminação artificial homóloga, GIFT e FIV convencional. No entanto, os serviços que dispõem de FIV com ICSI optam por esta técnica se os recuperados se encontram próximos de 1 milhão de gametas.
Diante de amostras selecionadas e capacitadas com menos de 1 milhão de espermatozoides viáveis, principalmente menos de 500.000/ml, a FIV com ICSI é mandatória.
Seguindo-se os critérios da morfologia estrita de Kruger et al., estaria indicada FIV com ICSI quando a amostra seminal tiver menos de 4% de formas ovais normais. Os critérios do referido autor consideram como ideal o encontro de mais de 14% de formas normais.
A capacidade de penetração, de aderência e de descondensação nuclear e formação de pronúcleo masculino, fenômenos estes necessários para interação entre óvulo e espermatozoides, são pesquisados por provas especiais. Entre as principais, temos provas com ovócitos sem zona pelúcida de hamster (Yanagimachi et al.; Donadio et al.). Pesquisa-se nelas a capacidade de penetração e formação de pronúcleo dos gametas masculinos capacitados. Utilizando-se ovócitos humanos conservados em soluções hipersalinas, pela prova denominada “hemizona assay”, quantifica-se a capacidade de aderência dos espermatozoides sobre a zona pelúcida (Burkman et al.) (estas provas são incluídas na avaliação seminal eletiva nos seminogramas anormais ou aparentemente normais).
A FIV com ICSI nivela os resultados independentemente da morfologia de Kruger e, mesmo, da mortalidade. Basta, simplesmente, termos gametas vivos e núcleos normais, determinantes principais de fertilização.
As técnicas de SUZI e PZD utilizadas no passado, inclusive por nós (Donadio e Matheus; Donadio et al.) foram substituídas pela ICSI. Os resultados de ICSI são irrefutáveis e espetaculares; aguarda-se, porém, que as crianças nascidas não apresentem problemas na vida adulta. Essa preocupação prende-se ao fato de que, como referimos anteriormente, 10% dos homens da população de inférteis e azoospérmicos apresentam cromossomopatias, nem sempre diagnosticadas previamente na rotina médica.
Os ciclos espontâneos, além de proporcionarem um único óvulo para as tubas ou para o laboratório, podem ser perdidos pelo pico precoce de LH endógeno. Por outro lado, sabendo-se que apenas quatro óvulos são viáveis em um ano de ciclos espontâneos, em mulheres normais, poderíamos coincidir um procedimento de RA com um destes ciclos naturais infrutíferos.
Visando à inseminação artificial ou a FIV, monitora-se o LH(múltiplas avaliações) e as variações ecográficas. Os folículos crescem rapidamente a partir de 10mm, no maior diâmetro, aumentando, depois, 2 a 4mm/dia, havendo a postura ovular entre 22 e 30mm. Algumas imagens, como deslocamento ou roda dentada, surgiriam 6 a 8h antes da postura ovular.
Líquido no fundo do saco de Douglas e aparecimento de cumulus oophorous não ajudam na monitoração. Se a mulher ovular, os limites internos do folículo podem ficar irregulares, o antro conter partículas e o folículo diminuir. Eventualmente, torna-se atrésico ou hemorrágico e pode crescer transitoriamente. Por vezes, torna-se como folículo ou folículos dominantes estruturas em regressão que, em alguns dias, serão substituídas por outras realmente dominantes.
A dopperfluxometria moderna indica, por exemplo, a queda do índice de pulsatilidade da artéria uterina para menos de 3 como oportunidade ideal, junto a outras informações, de ser administrada a hCG (gonadotropina coriônica), coincidindo no máximo com o pico de LH. A base que contém o pico de LH antecede 26 a 28h a ovulação (Trounson e Wood). Constata-se, em provas muito especiais, em ciclos com estímulos não muito exuberantes, que o estradiol tem curva ascendente por 60h enquanto progesterona de 12h, antes do pico de LH. O nadir térmico no registro basal situa-se em torno do pico do estradiol (hipotérmico) e o escore cervical aumenta mais dolis dias a partir de mostrar dilatação do canal e muco abundante.
Em suma, quando, entre outros dados ecográficos, identifica-se folículo com 20mm, podemos administrar gonadotropia coriônica humana (hCG), na dose de 5.000 a 10.000UI, para somar-se aos efeitos do LH endógeno. Ocorre, às vezes, administrar-se a hCG em pleno pico de LH, ficando difícil seguir a regra que estabelece a rotura folicular 36 a 40h depois de aplicada.
Em futuro breve, teremos no mercado os antagonistas do GnRH para impedir o pico do LH enquanto se acompanha a maturação folicular e, assim, poderemos agendar a aplicação da hCG, que mimetiza o LH, ou aplicar o LH recombinante.
Outro grande inconveniente dos ciclos espontâneos e sem bloqueadores do LH endógeno, é a necessidade de agendarmos os procedimentos ao sabor do ritmo ovariano, a qualquer hora do dia ou da semana.
Veremos os esquemas mais utilizados para obter-se o maior número possível de ovócitos, evitando, no entanto, a síndrome de hiperestímulo, a qual raramente ocorre na vigência de 10 a 12 folículos, sendo frequente acima de 20, e mais quando um número maior que 30 folículos é recrutado. Evita-se que os ovários atinjam diâmetros maiores que 10cm. Cada folículo de 14 a 16mm é responsável por aproximadamente 300pg de estradiol (E2) plasmático. O risco maior da síndrome relaciona-se, mais frequentemente, com níveis totais acima de 2.000pg/ml.
Utilizando como superindutor o citrato de clomifeno, aqueles diâmetros de referência são 18 a 20mm.
Tendo 50% dos folículos recrutados chegando ao diâmetro de 14 a 16 mm por controle ecográfico transvaginal, devemos interromper o estímulo. No mínimo, 3 folículos de 14 a 16mm, nos maiores diâmetros, isto é de 900 a 1 .200pg de E2 (300 por folículo) por mililitro. Desse ponto se reduz a dose de gonadotropinas em uso. Alguns autores aguardam o estímulo chegar a um folículo de 18mm e 3 de 16mm, ou ainda 50% dos recrutados acima de 10mm chegarem a 16mm. O ultrassom detalha as características da maturidade folicular. A avaliação plasmática do LH e da progesterona auxiliam nesta monitoração, porém os aparelhos de ultrassom são suficientes para determinar o momento para a interrupção do estímulo (rotina na maioria dos casos). As demais ultra-sonografias devem ser realizadas, no mínimo, a partir do 8° dia do ciclo, para ser constatada a fase final do recrutamento e desenvolvimento folicular. Importante lembrar que a vida média de gonadotropinas circulantes aplicadas é de 60 a 72h dependendo do tipo, e que apresentam ações somatórias que podem ser avaliadas para readaptações a cada 3 a 4 dias.
Começamos o estímulo na fase folicular inicial, até o 5° dia do ciclo. O recrutamento será mais amplo quanto mais cedo se administrar o indutor da ovulação. Fortes recrutamentos são obtidos com doses de 225 a 300UI de FSH ou hMG (FSH + LH) por dia. Veremos, em capitulo especial, considerações sobre o FSH recombinante e ascenção mais aguda do estímulo nos 2 a 3 dias finais do esquema. Tais doses são mais utilizadas para FIV. Para inseminação artificial, onde se deseja menor recrutamento folicular, pode-se iniciar com doses de 75 a 100UI de FSH ou hMG. Estradiol em torno de 900 a 1.000pg/ml é reparo para a primeira redução de dose. Tendo os folículos dominantes atingido diâmetros médios de 17mm, aplicam-se 5.000 a 10.000UI de hCG.
Cerca de 9 a 20% dos ciclos estimulados são cancelados por estimulação excessiva ou pobre. Entende-se por estimulação excessiva, onde o risco de hiperestímulo e gravidez múltipla está aumentado, uma resposta com mais de 20 a 30 folículos recrutados, e o estradiol em níveis de 2.000 a 4.000pg/ml. Se não administrarmos hCG, haverá regressão do quadro. Geralmente a ovulação espontânea não ocorre e a mentruação retarda de 7 a 15 dias.
A captura dos ovócitos se fará 35 a 37h depois da hCG. Diane de respostas pobres, caracterizadas por baixo recrutamento folicular, e endométrio impróprio (espessura menor que 7mm) e havendo tubas permeáveis, substitui-se a FIV pela inseminação artificial, procedimento de menor complexidade.
Nas boas respostas têm-se no mínimo 50 a 70% dos ovócitos em metáfase II desenvolvidos em folículos sem assincronismos (maturação das células granulosas e volume antral adequado e presença de ovócito em metáfase II).
Não se deve confundir assincronismo indesejado intrafolicular antes descrito com assincronismo entre os ovários. Esse assincronismo fisiológico entre ovários é mantido nas respostas fracas aos esquemas. Importantes trabalhos assinalam os mecanismos de recrutamento, atresia e maturação folicular que explicam essas respostas, tentando mesmo ctalogá-las (Gougeon).
A equipe medico-laboratorial obterá ovócitos 10 a 13 dias após o início do estímulo, incluindo-as 35 a 37h depois da hCG.
Nos ciclos onde não foi realizado o bloqueio do eixo hipotálamo-hipofisário, pode ocorrer o pico espontaneo de LH.
Para se ter domínio do pico LH, impedindo-o ou atrasando-o, utilizam-se gonadotropinas exógenas, mantendo as endógenas sob bloqueio, com uso de análogo agonista sintético do GnRH. Em dose alta e crônica, este provoca “down-regulation” das gonadotropinas endógenas sob bloqueio, passando antes por leve estímulo por três dias do início do uso (“up-regulation”).
No esquema denominado curto, o análogo do GnRH é administrado desde o primeiro ou segundo dia do ciclo, promovendo descarga ascendente de FSH e LH (“flare-up”) por três dias. A seguir ocorre queda paulatina, até platô nítido, com secreção de gonadotropinas endógenas muito baixas e inativas a partir de 6 a 9 dias. O bloqueio é antecedido por estímulo transitório das gonadotropinas endógenas sobre os ovários, que acaba provocando um primeiro recrutamento folicular.
Os denominados esquemas longos pretendem iniciar estímulo ovariano com gonadotropinas exógenas somente depois de bloqueio por pelo menos 14 dias, aplicando-se o análogo de GnRH na primeira ou segunda fase do ciclo. Promovem nítido hipoestrogenismo e perdem o recrutamento folicular inicial.
Dá-se preferencia ao esquema que inicia o bloqueio do eixo depois de ocorrida a ovulação, em geral no 18° a 20° dia do ciclo, em mulheres sem ovulação tardia, isto é, quatro a seis dias depois de constatada a ocorrência da ponte térmica. Por ficar inativo neste período, o ovário apresenta somente o seu mecanismo intrínseco de maturação folicular, enquanto não se inicia a aplicação de gonadotropina exógena.
Nos esquemas longos, o análogo do GnRH pode ser do tipo “depot”, com ação por 30 dias. Permite que o estímulo com gonadotropina exógena seja iniciado nos 10 dias antes de terminar seu efeito bloqueador. Aplicado o análogo no 20° dia do ciclo, aguardam-se 20 dias a mais, ocorrendo a menstruação neste ínterim. Ficam restando 10 dias a mais de efeito bloqueador, período em que se inicia o estímulo com gonadotropina exógena.
Os citados esquemas de bloqueio proporcionam recrutamento exuberante de folículos, que redunda em captura de grande número de ovócitos, conseguindo-se assim grande números de pré-embriões.
Várias circunstâncias patológicas e fisiológicas promovem ovários denominados “poor responders”. Em geral, mulheres com FSH basal elevado na fase folicular inicial, tecido ovariano residual pós-cirurcias, fator peritoneal exuberante e cistos que dominam toda a gônoda, entre eles os endometriomas, respondem mal aos estímulos. Sem dúvidas, as pacientes desde os 34 a 35 anos diminuem as reservas foliculars e começam a responder menos. Reconhecem-se as pacientes com más respostas pela tendência a encurtarem seus ciclos, diminuírem o fluxo menstrual, às vezes não ovularem, ou terem ciclo inversamente longos, com sintomas subjetivos da pré-menopausa.
O prognóstico da reserva folicular é feito desde 1965 com o teste de Netter, estimulando-se os ovários de amenorreicas com 15 doses de hMG (75UI de FSH e 75UI de LH), divididas em três dias, esperando-se que a produção de esteroides dobre depois do esquema. Modernamente, dosam-sem o FSH acima de 15UI e de estradiol acima de 80µlpg/ml, no 3°dia do ciclo, são indicatvos de claudicação ovariana. Para surpreender casos frustos, utiliza-se teste de Navot: dosa-se o FSH no 3°dia menstrual, ministra-se citrato de clomifeno, 100mg/dia, do 5° ao 9° dia, e repete-se a dosagem deste hormônio nol 10° dia do ciclo. A soma desses dois valores de FSH acima de 25mUI representa péssimo prognóstico reprodutivo em ciclos de FIV.
As pacientes nas quais se identifica uma pobre reserva ovárica são candidatas aos programas de ovo-doação ou embriodoação. A não aceitação de óvulos nos obriga a tentar os mais variados esquemas, até mesmo citrato de comifeno isolado ou citrato de clomifeno mais FSH sem análogo do GnRH [GnRH(a)]. Esse grupo de mulheres é informado de que a chance de gravidezes a termo os próprios óvulos não ultrapassa 2 a 6%.
Eventualmente, a idade real do ovário surpreende com respostas excelentes e até com hiperestímulo nesse grupo de mulheres. Em face disto, mais importantes de que a idade da mulher, consideram-se os níveis de FSH basal na fase folicular inicial. A propósito, tivemos gravidezes com transferência de embriões próprios criopreservados em mulheres de 42 a 44 anos.
Os esquemas que promovem mais folículos apresentam, com mais frequência, sinais de hiperestímulo, não necessariamente apresentando a síndrome de hiperestímulo propriamente dita.
Ovários micropolicísticos, mesmo sem a síndrome de dos ovários policísticos, mas que apresentam, antes do estímulo, número maior que 10 folículos com diâmetro de 8mm, e as outras características especiais do estroma e da cortical ovariana, mostram maior responsividade às gonadotropinas exógenas. Haveria ovários que manteriam maior sensibilidade e maior periculosidade em esquemas subsequentes, fato que contraria o benefício observado em gônadas medianamente responsivas.
Nos casos de risco para a síndrome de hiperestímulo, inicia-se com doses muito reduzidas (35 a 75UI por 7 dias), aumentando-se segundo as reavaliações. O clínico e, e as vezes, surpreendido com o aumento abrupto do recrutamento no primeiro incremento de gonadotropinas, ou mesmo após hCG.
Recrutamento que resulta em mais de 30 folículos e ovários com diâmetros totais maiores que 10cm, ao lado de estradiol acima de 6.000pg/ml, representa um risco adicional de 40% de desenvolver síndrome de hiperestímulo (Risk).
A síndrome se caracteriza pela presença de ovários muito aumentados de volume, presença de ascite, hidrotórax, hemoconcentração, tendência à hipercoagulabilidade, tromboses, desequilíbrios hidroeletrolíticos, insuficiência respiratória e renal, aumentos da renina, angiotensina e de outros fatores como o fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) e outras citoquinas, além dos metabólitos do estradiol (mecanismos clássicos que promovem maior permeabilidade vascular).
Para se manter sob controle a evolução clínica, podemos:
Os quadros nem sempre têm início em sequencias definidas como: desconforto abdominal, ascite, hidrotórax, distúrbio hidroeletrolítico constatável, e assim por diante. Tivemos casos iniciados com hidrotórax isolado (Donadio et al.) e outros que simularam hepatopadia aguda.
As vias de obtenção de ovócitos são:
A folículo-aspiração de ovócitos é realizada habitualmente por via transvaginal, através de agulha acoplada ao guia do transdutor do ultra-som. Durante o controle do estímulo ovariano, pela história, antecedentes e aspectos ecográficos, estimam-se as dificuldades eventuais do procedimento.
Raramente nos deparamos com muitos vasos, ou alças intestinais, no caminho dos ovários que, quando bem estimulados, ficam caídos no fundo de saco de Douglas. Quando altos, aderentes, retrouterinos, além de pequenos, obrigam a manobras manuais e com transdutor para facilitar o acesso da agulha de aspiração. Tracionar o colo do útero, mantendo o transdutor como tentativa de aproximar os ovários do mesmo.
Em raros casos, a bexiga deve estar preenchida por soro, permitindo que os ovários se apresentem na imagem deprimindo sua parede. Em outras situações, pode-se fazer a agulha penetrar, pela sonda uretral de dupla via e balão retentor, em direção ao ovário, entrando pela cavidade vesical distendida.
Em condições especialíssimas, as grandes dificuldades podem ser contornadas apelando-se para a captura de óvulos pela via laparotômica ou laparoscópica (Donadio et al). Estas vias são programáveis, especialmente quando se associa RA com procedimentos cirúrgicos agendados em ciclos superovulados, embora, modernamente, se prefira captar óvulos pela via transvaginal e imediatamente depois fazer a via alta, visando à GIFT. Podemos, como vimos, executar folículo-aspiração transvaginal e a laparoscopia em 24 a 48h depois, para praticar ZIFT ou TET.
No equipamento básico para as folículo-aspirações laparoscópicas ou laparotômicas, é necessária com uma agulha com saliência acima de seu bisel, para regular sua penetração na parede folicular e mantê-la no antro folicular. Para as folículo-aspirações sob controle de ultra-som transvaginal, as agulhas devem ter ranhuras passíveis de identificação ecográfica. A agulha é ligada, por tubo teflon (TFE), a um frasco ou tubo coletor onde há vácuo produzido por sistema de bomba de aspiração ou seringa convencional de 50 a 100ml.
Durante a captação, um assistente, devidamente aparatado, controla o sistema, promovendo o vácuo, e avisa sobre o conteúdo recebido no coletor transparente, enquanto o titular pratica a punção observando o monitor de ultra-som. É importante que vácuo realizado seja suficiente para esvaziar o folículo, sem contudo fraturar a zona pelúcida do ovócito. Um atendente rotula os tubos coletores, colocando-os imediatamente em sistema de aquecimento, ou transportador, se o laboratório for distante do local de punção. Tampão ou meio de cultura servem para lavagens do folículo, se houver a pretensão de forçar o descolamento de ovócitos imaturos. O tubo coletor é trocado a cada folículo ou grupo de folículos, evitando-se que conteúdos inadequados (endometriomas, parede vaginal) comprometam todo o material.
O aparelho de ultra-som pode ser convencional com transdutor de 3,5 a 7 MHz. O titular deve dominar a anatomia pélvica pela ultra-sonografia, diferenciar adequadamente vasos de folículos, saber manter imóvel a imagem, quando penetra a agulha, sem afastar o conjunto da parede vaginal, mantendo-se o transdutor bem apoiado no fundo do saco vaginal. Manter o vácuo no sistema nas mudanças de direção ou imediatamente antes de penetrar cada folículo, vendo-o murchar desde a penetração. A cada mudança de direção, manter-se a agulha dentro do ovário, sem ultrapassar os limites externos da gônoda. Anestesia local ou sedoanestesia é o suficiente, tendo-se a paciente em posição ginecológica. Caso haja qualquer intercorrência no procedimento, a sala e os equipamentos devem permitir uma laparotomia de urgência.
Antes do procedimento, a assepsia e anti-sepsia não podem deixar traços de anti-sépticos carreáveis pela agulha nas incursões na vagina e suas paredes. Em face disso, prefere-se lavar exaustivamente o ambiente intravaginal com solução salina aquecida (3I). a vagina não é embrocada com anti-sépticos, somente o períneo. Não pe necessária a tricotomia. Leve enema, de véspera, é o suficiente.
Visando a diminuição dos custos da técnica de fertilização in vitro, atualmente realiza-se as captações de óvulos em hospitais-dia. O material coletado é enviado de imediato ao laboratório comunitário a todos os ginecologistas, em transportadores especiais (“Diffusion Lab”), que mantêm a temperatura em 37°C e a 5% de CO2. O transporte de óvulos e embriões é p´rocedimento comumente aplicado na Holanda, Argentina e no Brasil (Donadio e Donadio; Dzik).
A coleta seminal por masturbação deve ser cuidadosamente orientada. O paciente recebe no dia do procedimento, caixa contendo tubo coletor tulipa (frasco de vidro esterilizado, com forma de tulipa, graduado) e lista de recomendações a seguir. Recomenda-se a não utilização de soluções de limpeza, somente água, não manipular parte interna do frasco, e não perder porções, principalmente dos primeiros impulsos ejaculatórios, uma vez que traduz a parte mais rica em espermatozoides. É importante saber se o paciente está fazendo uso de substancias tóxicas ou determinados antimicrobianos, que podem inibir a motilidade espermática.
As amostras criopreservadas são importantes para garantirem os procedimentos nos casos do parceiro apresentar intercorrências clínicas, cirúrgicas ou emocionais que tornam impraticáveis novas masturbações na ocasião da inseminação artificial homóloga ou coleta de ovócitos da esposa. Posteriormente, descreveremos as técnicas de criopreservação do sêmen.
Homens que apresentem retroejaculação devem alcalinizar a urina através do uso de bicarbonato de sódio, por 24h e, imediatamente antes da masturbação ou coito, a bexiga deve ser sondada e instilado meio de cultura (Ham F10, HTF, Menezzo), o qual será recuperado posteriormente, para obtenção dos gametas (Jimenez e Grizard).
Sêmen de pacientes com lesão medular, escleros múltipla, ou outras patologias que determinem ausência de ejaculação são submetidos a procedimentos de eletroejaculação através de estímulos elétricos desencadeados por “pobres” colocadas na região do reto, ou períneo, sob sedação ou anestesia geral.
Nas coletas cirúrgicas, geralmente equipes pluridisciplinares obtêm amostras diretamente de diferentes níveis do epidídimo, ductos deferentes ou testículo.
Antes de qualquer coleta cirúrgica de gametas masculinos, o paciente é submetido a um tratamento com prednisona 20mg/dia, durante 7 dias, para evitar os efeitos dos anticorpos antiespermatozoides. Nos casos de azoospermia obstrutiva, agenesias de deferente, é indicada inicialmente a técnica denominada MESA (punção microcirúrgica dos epidídimos), em que, após incisão mediana no escroto, abre-se a túnica vaginal e serosa e incisa-se um túbulo evidente da cabeça do epidídimo e, com sistema de microagulha, aspira-se material diretamente em seringa de 1ml contendo 0,1ml de meio de cultura com HEPES, enriquecendo com 0,4% de soroalbumina humana. Examina-se imediatamente ao microscópio, em aumento de 400¥, a amostra colhida, na procura de espermatozoides móveis. Na ausência destes, parte-se para coleta de material testicular.
TESE (“testicular sperm extraction”) é realizada nos casos de falha da coleta epididimária, ausência de gametas móveis no ejaculado, ausência de ejaculação ou em azoospermias secretoras. Raliza-se incisão de aproximadamente 1,0cm na bolsa escrotal, e obtém-se uma pequena porção do testículo, colocando-a em placa de Petri contendo meio de cultura com HEPES, enriquecido com albumina. Ao microscópio, macera-se o tecido utilizando-se duas laminas de vidro estéreis, e procura-se, no meio sobrenadante, gametas móveis (Fig. 152.2). Nos casos onde não são encontrados espermatozoides, mas, encontram espermátides, estas podem ser utilizadas no procedimento de ICSI (ROSI, ROSNI, ELSI técnica posteriormente descrita). Técnicas de obtenção de gametas do epidídimo (PESA) e testículo (TESA) por via percutânea são muito discutidas, por apresentarem intercorrências como mais fibrose, obstrução do epidídimo e maior exposição ao sangue, criando mais anticorpos.

Figura 152.2 – Biópsia testicular
Parte das amostras epididimárias e testiculares satisfatórias podem ser criopreservadas evitando-se, assim, novos procedimentos cirúrgicos em novos ciclos.
Em situações especiais deve-se ter como alternativa sêmen doado previamente escolhido pelo casa. Muitos homens preferem sêmen doado a se submeterem a coletas cirúrgicas.
As amostras de ejaculado, após aguardar-se o tempo necessário para a liquefação, 20 a 30min, são homogeneizadas e avaliadas quanto à motilidade e concentração. Determina-se a porcentagem de espermatozoides do tipo a, b, c ou d. A concentração da amostra pode ser avaliada tanto em câmara de Neubauer, como em câmara de Mackler. A seguir, as amostras seminais são capacitadas e selecionadas seguindo um dos seguintes métodos: migração e sedimentação em câmara de Tea-Jondet, lavado simples e seleção por “swim-up”, duplo lavado e “swim-up”, ou gradiente descontínuo de Percoll (Ng et al.) (ou substancias similares). Os métodos se encontram descritos na Figura 152.3.

FIGURA 152.3 – Capacitação e seleção de espermatozoides. Migração e sedimentação – A = câmara de Tea Jondet completa, com meio de cultura com antibiótico (cone interno e espaço externo); B = colocação do sêmen total no espaço da câmara, sem ultrapassar a borda do cone interno; C = colocação em estufa, de 1 a 4h, para que ocorra a migração “swim-up” e sedimentação “swim-down” dosespermatozoides; D = retirada do excesso de meio de cultura; E = recuperação do material capacitado do cone interno da câmara, com pipeta Pasteur. Pode-se fazer o somatório do material recuperado de várias câmaras. Duplo lavado e lavado com “swim-up”- F = tubo cônico com 2 ou 1 ml de meio de cultura; G = colocação de 1 ou 2ml de sêmen total, previamente liquefeito e homogeneizadp; H = centrifugação a 372g por 10min, com formação de “pellet”; I = desprezar meio de cultura sobrenadante; J = colocação de 1 ou 2 ml de meio de cultura; K = homogeneização; L = colocação novamente em centrífuga a 327g por 5min, com formação de novo “pellet”; M = desprezar meio sobrenadante; N = colocação de 1 ou 2ml de meio; O = homogeneizar e aplicar em inseminação artificial ou FIV (duplo lavado); P = colocar o tubo cônico em estufa, sem homogeneizar, somente soltando o “pellet” do fundo do tubo, para que os espermatozoides migrem espontaneamente (lavado com “swim-up”). Utiliza-se somente o material de superfície, para os procedimentos. Gradiente descontínuo de Percoll – Q = tubo cônico preparado com camada de 2, 1 ou 0,5ml de Percoll isotônicodiluído a 90% em meio de cultura, e outra camada de 2, 1 ou 0,5ml de Percoll a 45%, colocada sobre a primeira. Sobre todas as camdas é colocado sêmen total; R = centrifugação em 327g durante 20 min, com formação de “pellet”; S = desprezado meio sobrenadante. Realzada sequencia de lavado simples.
A técnica de Tea-Jondet é utilizada para amostras com bom número de gametas, servindo bem para inseminações artificiais empreendidas por médicos em seus consultórios, com o mínimo de equipamento.
Materiais provenientes do testículo, após a maceração e retirada do meio sobrenadante que contém os espermatozoides, assim como o material de epidídimo, são submetidos à centrifugação durante 10min, a 327g e ressuspensos em 1ml de meio de cultura (HTF, “Irvine Scientific”, outros meios).
Os materiais capacitados permanecem a 37°C, 5% de CO2 e 98% de umidade até sua posterior utilização, inseminação artificial homóloga, FIV ou ICSI.
Após a capacitação do sêmen, nos casos onde será realizada a inseminação artificial in vivo, completa-se a amostra preparada com meio de cultura até atingir o volume total de 3ml. Aspira-se o conteúdo em seringa de 5ml, com cânula de Frydman ou Tom Cat.
A paciente, em posição ginecológica, é submetida à limpeza do colo do útero com soro fisiológico e solução tampão de Dulbecco. É proscrita a limpeza do colo com qualquer outra substância como povidina, ou soluções anti-sépticas. Introduz-se a cânula de Frydman ou Tom Cat através do canal cervical até atingir a cavidade uterina. Inicia-se a inseminação lentamente, de forma intermitente, com mínimos volumes, por 30 a 40 segundos, evitando o refluxo.
Utilizamos a técnica de inseminação com alto volume, garantindo assim que grande quantidade de espermatozoides atinja a tuba, espermotubagem. Esta técnica havia sido abandonada no passado dado ao elevado número de complicações como peritonites e endometrites, que ocorriam pela inadequação dos meios de cultura utilizados. As inseminações eram realizadas com volumes de 0,8 a 1,5ml de material capacitado. Atualmente, com meios de cultura com antibióticos e melhor manipulação laboratorial, esse risco é quase inexistente. Em nossa experiência, a espermotubagem leva a melhores índices de gravidez (não publicado).
Em cada ciclo espontâneo ou medicado realizam-se a três inseminações com intervalo de 12 a 24h entre elas. Havendo controle pela curva térmica basal, suspende-se nova inseminação no ciclo, se ocorreu a decalagem periovulatória.
Etiqueta-los, os tubos com líquido folicular são colocados em microestufa, ao lado do estereomicroscópio e do laboratorista, para que este, vertendo o material em placa de Petri, possa rapidamente localizar o cumulus, com células da granulosa, e o ovócito. Após o reconhecimento, os ovócitos são dispostos, um a um, em gotas de 20µl de meio de cultura sob óleo mineral. Os meios mais comumente utilizados são o HTF (Irvine), Menezzo B2, “Flushing médium” (Medicult) entre outros, os quais são mantidos em refrigerador até o uso. As placas de cultivo são preparadas na véspera, devendo ser equilibradas em estufa de cultura celular, mantida a 5% de CO2, 98% de umidade e 37°C. No dia do uso, as goras de meio de cultura são enriquecidas com 8% de soroalbumina humana.
Identificam-se e classificam-se os ovócitos reconhecidos de acordo com o seu grau de maturidade, segundo as estruturas intrínsecas reconhecíveis e células aderidas: Prófase com vesícula germinativa ,quando as células da granulosa são menores e compactas e ao desnudarmos, ou seja , ao retirarmos as células da granulosa com hialuronidase (quando indicada para ICSI), vemos, no interior do ovócito, um núcleo grande denominado vesícula germinal; imaturo, cumulus presente mas compacto, desaparece a vesícula germinativa, estão em metáfase I; pré-ovulatório: as células ao seu redor se encontram expandidas, presença de corona radiata, cumulus expandido e quando desnudado, o ovócito apresenta um corpúsculo polar, metáfase II; hipermaturo, com coroa radiata menor e dissociada do ovócito; luteinizado, o ovócito é opaco e o cumulus se apresenta como massa gelatinosa ao seu redor; e atrésico, com citoplasma muito escuro e granulosa fragmentada.
Duas a 6 h depois, após maturação final in vitro, os ovócitos maturados são inseminados com espermatozoides previamente selecionados e capacitados, em número de 100.000 espermatozoides móveis por ovócito. Não há necessidade de inseminação com maiores concentrações de espermatozoides, fato que leva somente a aumentar a poliespermia (entrada de mais de um gameta masculino no ovócito), não melhorando as taxas de fertilização. em esquemas superovulatórios e folículo-aspirações bem-sucedidas, têm-se pelo menos 80% dos folículos adequados fornecendo ovócitos e, destes, 50 a 90% em metáfase II por ocasião da inseminação in vitro. Aqueles emmetáfase I, com menores chances de fertilização, são maturados in vitro, em meios especiais contendo fator de crescimento, 0,075UI/ml de FSH e 0,05UI/ml de LH enriquecidos com 10% de albumia. Os ovócitos imaturos ficam maturando por 12 a 24h, sendo inseminados posteriormente.
Após 15 a 19h de interação entre gametas restantes masculinos e femininos, retorna-se a cultura, retiram-se as células da granulosa e verifica-se a ocorrência ou não de fertilização. Acreditamos que a penetração do espermatozoide no citoplasma, em si, não traduz a fertilização. A fertilização, para ocorrer, necessita da descondensação da cabeça do espermatozoide, sua transformação em pronúcleo e fusão com pronúcleo feminino, constituindo uma nova estrutura. Logo, verificamos a presença dos pronúcleos (Fig. 152.4) femininos e masculinos e os corpúsculos polares. Ovócitos maduros impedem a entrada de mais de um espermatozoide. Os imaturos tem, as vezes, dois ou mais pronúcleos masculinos, são chamados polispérmicos. Um único espermatozoide pode introduzir o aparecimento de dois pronúcleos, além do feminino. Pré-embriões com três ou mais pronúcleos são descartados.

Figura 152.4 – Ovócito fertilizado. Presença de pronúcleo masculino e feminino.
Após verificação dos ovócitos são transferidos para o meio de cultura P1 (“preimplantation stage one”) da Irvine Scientific, por exemplo, que apresenta menor teor de glicose, que acreditamos ser prejudicial ao desenvolvimento de embriões em fases iniciais de desenvolvimento (aumento de radicais livres) (Motta et al.).
Decorridas mais 24h, o material mostrará pré-embriões agora clivados, divididos em dois ou mais blastômeros (Fig 152.5), permitindo o agendamento da transferência. O ideal é que a transferência ocorra com os embriões de 4 a 8 células, o que acontece em torno de 50 a 72h após inseminação in vitro. Os embriões podem também permanecer em culturas por mais tempo, em meios especiais, chegando até blastocistos, sendo então transferidos entre 5° ou 6° dia pós-inseminação. Pré-embriões ou blastocistos supranumerários são criopreservados (Mandelbaum et al.).
Na véspera da transferência, avisa-se a paciente para que se aplique 25 a 100mg de progesterona oleosa (simples), IM ou 300 a 800mg de progesteroa micronizada, por via oral ou intravaginal, sendo a vaginal preferencial, visando adequar o endométrio. Esta dose será diária por 14 a 16 dias depois da transferência, caso não se confirme gravidez, ou até a 8° a 12° semana de gravidez. Alguns serviços, baseados em resultados de dopplerfluxometria, preferem adiar a transferência, congelando pré-embriões, quado o fluxo das artérias uterinas ou artérias anexiais é inapropriado. Outro critério de não transferência imediata seria o encontro do endométrio com espessura menor que 8mm, no dia da aplicação do hCG (Franchin et al.). Steer et al. constataram, pela dopplerfluxometria das artérias uterinas, que o útero não é receptivo para gestar pré-embriões de FIV quando o índice de pulsatilidade da artéria uterina for maior que 3,3 e, o de resistência, maior que 0,95 (Coulam et al.).

Figura 152.5 – Pré-embrião com quatro blastômeros.
A transferência de pré-embriões, absolutamente ambulatorial e sem anestesias, tem ritual utilizando cateteres adequados. Entre os mais utilizados em nossos meio temos o de Frydman, Wallace etc. O cateter montado, carregado e aquecido terá, na extremidade distal, gota com 20µl de meio, a seguir espaço de ar igual, em seguida o meio com os pré-embriões enriquecido com 75% de soroalbumina humana, novo espaço de ar e nova gota de meio. Deve-se montar com o menor volume de meio possível. A introdução do cateter é precedida por lavagem do colo do útero, especificamente do orifício externo, com tampão, meio de cultura, sem raspá-lo com gases, aspirando conteúdos endocervicais. Devem-se depositar os embriões a 0,5 a 1cm do fundo uterino.
Técnica semelhante à rotina laboratorial para FIV clássica, tendo como diferença que, ao invés de aguardar a fertilização, ou melhor, a penetração espontânea do espermatozoide no ovócito, através de microagulhas inserimos um único espermatozoide no citoplasma. As agulhas são movimentadas com auxílio de sistema de miocromanipulador (Fig. 152.6).

igura 152.6 – Micromanipulador Narishige, acoplado a microscópio invertido IMT-2.
Após reconhecimento dos ovócitos no líquido folicular, e maturação final in vitro, estes são expostos no máximo por 60 segundos à solução de hialuronidase. Esta substância destrói o cimento intercelular da granulosa, permitindo que, após a aspiração do ovócito diversas vezes através de pipetas Pasteur, progressivamente com diâmetros menores, fique livre de todas as células da granulosa ao seu redor. A seguir prepara-se placa de cultura contendo gotas de 5µl de PVP (polivinilpirrolidona), e gotas de meio de cultura (HTF) sob óleo. Nas gotas contendo PVP, colocamos o material seminal já preparado por uma das várias formas antes descritas. Os ovócitos são colocados nas outras gotas contendo HTF.
Após o preparo, montamos o sistema de micro-manipulação e iniciamos a ICSI. A micropipeta de injeção (“injection”), é levada à gota onde os espermatozoides se encontram. seleciona-se um espermatozoide sem alterações morfológicas visíveis e móvel, tocado-se na sua cauda para imobilizálo e aspirá-lo por esta extremidade. Em seguida, dentro da pipeta, é levado para a gota contendo o ovócito. O ovócito é aspirado por outra micropipeta, (“holding”) de forma a fixá-lo com o corpúsculo polar na posição de 12 ou 6h. Apoia-se a “injection” na zona pelúcida do ovócito, aproximando o espermatozoide ao máximo da sua extremidade distal. Introduz-se a agulha na posição de 3h, atravessando a zona pelúcida até quase atingir o pólo oposto, perfurando o oolema e formando um canal no citoplasma (Fig. 152.7). Antes de depositar o gameta masculino, aspira-se parte do conteúdo citoplasmático para certificar-se da perfuração da membrana do ovócito, e ativar seu citoplasma(Tesarik et al.). A penetração as 3h escapa da zona nobre de formação dos fusos de divisão. Repete-se o procedimento a cada ovócito. Após o ICSI, acompanha-se a evolução e trocam-se os meios de forma semelhantes ao FIV convencional.

Figura 152.7 – Técnica de injeção intracitoplasmática de espermatozóides.
Quando transferimos embriões de 4 a 6 células, 50 a 72h após a inseminação in vitro, a Organização Mundial de Saúde preconiza que esta transferência nunca ultrapasse um máximo de 4 pré-embriões para o útero, visando reduzir as chances de gravidez múltipla. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina preconiza transferir no máximo 4. Em nossa experiência, quando da transferência de 4 embriões, as chances de gravidez gemelar trigemelar e quadrigemelar respectivamente, 18 a 23, 5 e 0,1%. Taxas ainda extremamente elevadas, levando em conta todos os riscos que uma gravidez múltipla pode acarretar para a própria paciente e seus conceptos.
A dramática embriorredução seletiva tem sido conduta adotada nos casos de gravidez quadrigemelar e, eventualmente, trigemelar, levando-se em conta não só o desejo da paciente, mas também o aspecto do medico envolvido. O Conselho Federal de Medicina marginaliza a embriorredução segundo leis ordinárias no Brasil.
Cabe aqui lembrar que não tendo aparecido batimento cardíaco embrionário ao ultra-som, pode ainda ocorrer absorção espontânea do saco gestacional em 27 a 30% dos casos. Estando o batimento presente, a redução espontânea incide em 5 a 6%; logo, não devemos nos precipitar em realizar embriorreduções em fases muito precoces da gravidez, devendo aguardar até a 11ª ou 12ª semana de gravidez. Pode haver reduções espontâneas mais tardias.
A cultura de embriões por mais tempo em laboratório e a transferência de blastocistos apresenta inúmeras vantagens, comparando-se com as transferências de 4 a 6 células. Permite-se uma seleção natural, sendo transferido menor número de embriões, estes de melhor qualidade e que apresentam maior taxa de implantação, diminuindo assim as gravidezes múltiplas.
Outra grande vantagem seria a diminuição do número de embriões congelados, sempre tão problemáticos.
A dificuldade seria a criação de ambiente capaz de nutrir e eliminar as substâncias tóxicas produzidas pelo embrião. Inicialmente, aplicava-se co-cultura com células Vero (Menezo et al.) ou outras que, cultivadas com o embrião, ofereciam o suporte necessário. Eticamente é complexa a problemática de culturas mistas de espécies diferentes. Co-culturas com outras células humanas, como a própria granulosa ou células endometriais, não demonstraram aplicabilidade fácil e satisfatória.
Atualmente, meios de cultura (“Blastocyst” da Irvine) contendo menor teor de glicose e fosfatos, enriquecidos com aminoácidos e proteínas têm demosntrado resultados semelhantes às co-culturas. Ainda devemos melhorar as técnicas de desenvolvimento dos blastocistos, uma vez que somente 25 a 30% dos embriões atingem este estádio, após 5 a 6 dias em cultura (Fig. 152.8)
Preconiza-se a transferência de dois blastocistos por ciclo, devendo ser criopreservados os blastocistos supranumerários. A cultura até blastocisto e transferência somente de 2 é discutida, para a mulher idosa, se preconiza maior número.


Figura 152.8 – A)Blastocisto no 5º dia de cultura.B)Blastocisto no 7º dia de cultura.”Hatching” espontâneo.
Esta técnica começou a ser desenvolvida por Yanagimachi e Ogura, com a injeção em núcleos de espermátides redondas em ovócitos de hamster, levando à fertilização e iniciação do desenvolvimento embrionário. Tesarik e Mendoza foram um dos primeiros a publicar gravidezes em humanos.
Nos casos onde não são encontrados, nas biópsias testiculares, espermatozoides ou espermátides alongadas (ELSI), a injeção de células mais primitivas como as células redondas, ou somente seus núcleos podem apresentar uma alternativa(ROSI, ROSNI).
A obtenção de espermátides é feita após a centrifugação, em gradiente descontínuo de Percoll, de ejaculados azoospérmicos, ou em biópsias testiculares (TESE). A dificuldade nestas técnicas é o reconhecimento das células redondas em Hoffman ou Normaski, sistemas ópticos utilizados comumente para realizar ICSI. A espermátide deve ser reconhecida segundo seu formato, núcleo redondo, citoplasma regular e presença de vesícula acrossômica, localizada como um ponto brilhante próximo ao núcleo (Tesarik e Mendoza).
Reconhecidas as células redondas, realiza-se a injeção intraplasmática com agulhas diferentes das utilizadas em ICSI convencional, levemente menos biseladas. As espermátides são ligeiramente maiores que a luz da agulha e somente são injetadas as células que, durante a aspiração, não se rompam (Silber e Johnson). Muito importante também é a ativação citoplasmática durante a injeção, através da aspiração vigorosa do citoplasma após a penetração da microagulha. As taxas de fertilização com ROSI e ELSI, segundo Tesarik, são respectivamente 45 e 44%.
Tesarik publicou resultados maturando células germinais masculinas, técnica que, ao longo do tempo, será outra alternativa na falta de espermátides capazes.
Em um passado recente, pacientes com idade avançada, portadoras de translocações, ou que apresentassem gravidezes anteriores com aberrações cromossômicas, ou malformações congênitas, poderiam optar por correr o risco de nova malformação; adoção; diagnóstico durante pré-natal com possibilidade de abortamento, embora ilegal no Brasil e, mais recentemente, com o desenvolvimento de RA, recepção de óvulos ou espermatozoides doados.
Com a introdução, na genética molecular, de técnicas como a FISH (“fluorescent in situ hibridization”) e PCR (“polimerase chain reaction”), que permitem o exame da composição genética por uma única célula, colhida por micromanipulação do pré-embrião, passou a ser possível a realização do diagnóstico pré-imlantacional.
O diagnóstico pré-implantacional pode ser realizado antes da fertilização, colhendo-se o corpúsculo polar, através de fenda aberta na zona pelúcida com solução ácida, laser etc., avaliando-se somente as patologias das quais a mulher é portadora.
Realizam-se também biópsias de pré-embriões de 4 a 8 células, retirando-se um ou dois blastômeros, técnica esta mais usada atualmente.
As biópsias do trofoblasto de blastocistos podem ser realizadas provocando-se mecanicamente uma abertura na zona pelúcida com agulha fina, ou com diodo laser, através da qual, 18 a 24h após, parte do trofoblasto se exterioriza espontaneamente, permitindo sua retirada para análise. A biópsia de blastocisto parece ser a mais vantajosa, uma vez que recupera maior número de células, embora técnicas de cultivo devam ser aprimoradas para que maior número de embriões cheguem a este estádio, permitindo melhhores resultados, assim como aperfeiçoamento de sondas visando ao diagnóstico de maior número de aberrações.
A criopreservação de embriões pode ser realizada por vários métodos, entre eles a congelação rápida, onde não há necessidade de “planner” (equipamento que promove queda da temperatura programável), ou utilizando soluções como PROH (1,2-propanediol) ou DMSO (sulfóxido de dimetila).
No congelamento rápido, os embriões são colocados em meios com 3,5M de DMSO e 0,25M de sucrose e, após serem expostos a vapores de nitrogênio, são mergulhados diretamente nesta solução.
O congelamento com PROH é realizado depositando os embriões por 10min em placa contendo 1,5M de PROH, depois em solução de 1,5M de PROH mais 0,1M de sucrose. Nesta solução, os embriões são colocados em palhetas de congelamento seladas e programa-se o “planner” para que a partir 16°C abaixe a temperatura em 2°C/min até -8°C, onde realiza-se o “seeding” manual (cristalização). Mantém-se 5min a essa temperatura, posteriormente programa-se queda de 0,3°C/min até -30°C e finalmente -50°/min até -150°C, quando mergulharmos as palhetas diretamente em nitrogênio líquido.
O congelamento obriga os pacientes a assinarem consentimentos informado que, segundo as leir vigentes no país, os obriga em prazo máximo de 3 anos definirem o destino dos embriões, podendo estes serem transferidos para o útero da paciente, ou serem doados para outros casais de forma a se manter o sigilo absoluto entre doadores e receptores.
Após o descongelamento, os embriões ou blastocistos são classificados quanto à sobrevida de seus blastômeros. Embriões com sobrevida de 50% ou menos são inviáveis, não sendo transferidos.