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Fertilização in Vitro

INTRODUÇÃO

Em 1978, nasceu Louise Brown, a primeira gestação a termo obtida por meio da aplicação da assim chamada técnica da Fertilização In Vitro (FIV)1. Na FIV, óvulos e espermatozoides são manuseados em laboratório e os pré-embriões resultantes, devolvidos para o útero da mulher. Este procedimento revolucionou o tratamento dos fatores tuboperitoneais não solucionáveis por cirurgias laparotômicas ou laparoscópicas convencionais. Desde então, a possibilidade de manusear gametas e embriões em laboratório vem contribuindo com o desenvolvimento de inúmeras variantes da FIV clássica, como a injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI); a criopreservação de gametas, embriões e tecidos gonadais; e a avaliação da viabilidade genética destes, assim como tem permitido, em paralelo com o desenvolvimento da biologia molecular, a avaliação dos chamados “omas”: genoma, proteoma, transcriptoma e metaboloma dos embriões, revolucionando cada vez mais o tratamento da infertilidade conjugal.

Nilka Fernandes Donadio
Artur Dzik
Mario Cavagna
Nilson Donadio

FERTILIZAÇÃO IN VITRO CLÁSSICA

A FIV clássica, como dito anteriormente, consiste no manuseio dos gametas femininos e masculinos em laboratório, ocorrendo, durante procedimento, a fertilização espontânea dos óvulos pelos espermatozoides , com posterior formação de pré-embriões que são devolvidos para o trato genital feminino, mais frequentemente para a cavidade uterina. Entre as principais indicações para aplicação da técnica estão os fatores tuboperitoneais; o fator masculino moderado, com sêmen apresentando entre 5 e 10 milhões de espermatozoides pós-processamento, com morfologia e motilidade normais; três ou mais falhas de ciclos de inseminação artificial intrauterina; e esterilidade sem causa aparente.

PROPEDÊUTICA PRÉVIA A FIV

Antes de se iniciar um ciclo de FIV indiciado por exames habituais da propedêutica de infertilidade, a Anvisa, por meio da RDC33/06, exige que todos os casais tenham sorologias para HIV, hepatites B e C, VDRL e HTLV I e II. Diante de algum resultado positivo, existe a necessidade de o procedimento ser realizado em laboratório especifico isolado, não podendo ocorrer em concomitância com casos soronegativos.

Exame ultrassonográfico de base, preferencialmente no inicio de um ciclo para avaliar o útero, anexos e também contagem de folículos antrais (entre 2 mm e 10 mm) são obrigatórios. A avaliação detalhada da cavidade uterina por histeroscopia, embora não obrigatória, é considerada útil. Avaliações seminais, complementadas com teste de Endtz (teste para diferenciar células redondas da espermatogênese com os leucócitos), devem ser realizadas pouco tempo antes do ciclo, para evitar processos infeciosos, com leucospermias, no dia da FIV, diminuindo as taxas de sucesso.

HIPERESTIMULAÇÃO OVARIANA CONTROLADA

Embora seja viável a obtenção de óvulo e embrião a partir de um ciclo espontâneo, é aconselhável realizar uma hiperestimulação ovariana controlada (HOC), que resulta na possibilidade de se trabalhar com mais óvulos, com consequente desenvolvimento de maior numero de embriões. Desta maneira, e possível realizar a escolha dos melhores pré-embriões a serem transferidos para o útero, podendo-se até criopreservar os extranumerários, visando ás chances suplementares de gestação, sem a necessidade de repetir todo o processo.

Antes de se iniciar o estímulo com as gonadotrofinas exógenas, deve-se estabelecer como será feito o bloqueio das gonadotrofinas endógenas para evitar o pico prematuro de LH e luteinização precoce dos óvulos. O uso dos análogos agonistas do GnRH (aGnRH) representa o modo mais comum de bloqueio. Devem ser aplicados de preferência na segunda fase do ciclo precedente à estimulação ovariana, ao redor do vigésimo dia do ciclo, na apresentação de depósito intramuscular (ex.: acetato de leuprolide – Lupron depot®, Lectrum®; acetato de triptorelina – Neodecapeptil® ─ Gonapeptyl®) ou por meio de aplicações diárias subcutâneas (acetato de leuprolide – Lupron diário®) ou intranasais (acetato de nafarrelina ─ Synarel®).

Outra opção de bloqueio seria os análogos antagonistas do GnRH (antGnRH), aplicados diariamente a partir do quinto dia de estímulo ou a partir do momento em que se notam, ao ultrassom, folículos com maior diâmetro, entre 12 mm e 14 mm (acetato de cetrorelix ─ Cetrotide®; acetato de ganirelix ─ Orgalutran®). Em ambos os esquemas, o bloqueio é mantido até o término da estimulação ovariana.

A estimulação ovariana propriamente dita é feita por meio do uso diário de gonadotrofinas (Gns) exógenas, como a gonadotrofina de mulher menopausada (hMG) (Menogon® ─ Ferring), o hMG ultrapurificado (Menopur® ─ Ferring; Merional® ─ Meizler), o FSH urinário altamente purificado (Bravelle® ─ Ferring; Fostimon® ─ Meizler), as versões recombinantes, que são a alfa e betafolitrofina (Gonal® ─ MerckSerono e Puregon® ─ Organon), e, eventualmente, o uso do LH recombinante (Luveris® ─ MerckSerono) ou da própria gonadotrofina coriônica humana em baixas doses, diante de riscos de hiperestímulo ovariano (hCG ─ Choriomon® ─ Meizler; Choragon® ─ Ferring). A escolha da droga a ser utilizada depende de vários fatores, entre eles a presença de hipogonadismo hipogonadotrófico, em que se indicam estímulos com suplementação de LH, idade da mulher; risco de respostas exageradas a estimulação; síndrome dos ovários micropolicísticos; tipo de bloqueio do GnRH utilizado, entre outros.

A dose inicial de gonadotrofinas também deve ser individualizada, de acordo com a idade e a reserva ovariana de cada mulher. Como exemplo, mulheres com idade superior a 35 anos, ou com ovários submetidos anteriormente a procedimentos cirúrgicos, com FSH basal acima de 12 mUI/ml, com estrogênio acima de 50 pg/ml, com hormônio antimülleriano ( AMH) menor do que 1,0 ng/ml, inibina B inferior a 45 pg/ml ou submetidos a ultrassom basal com numero de folículos antrais ( folículos entre 2 mm e 10 mm), inferior a quatro, devem iniciar o estímulo com altas doses de medicação, por apresentarem grande probabilidade de serem pobres respondedoras. Em contrapartida, mulheres portadoras de SOP devem iniciar o tratamento com diminutas doses, pelo risco de resposta exageradas. As doses habitualmente aplicadas variam de 75 UI a 450 UI ao dia, embora outras doses possam ser utilizadas em casos excepcionais, como 37,5 UI ou ate 600 UI ao dia.

Durante a HOC, exames ultrassonográficos transvaginais são realizados, a cada dois ou três dias, para a avaliação do número e do desenvolvimento folicular, visando á adequação de doses e para estabelecer o momento ideal da aplicação do hCG. O hCG deve ser administrado quando ao menos um folículo atingir 18 mm e 50% dos outros recrutados se encontrarem com mais de 16 mm. Neste momento, se suspende o uso dos análogos do GnRH. A aplicação do hCG é de extrema importância para a maturação final dos oócitos e para retomada da meiose, devendo ser feita na dose única de 5 mil a 10 mil UI ao dia ou, no caso do recombinante (Ovidrel®), na dose de 250 mcg.

CAPITAÇÃO OOCITÁRIA

De 34 a 36 horas após a administração do hCG, realiza-se, sob sedação ou anestesia locorregional, a folículo-aspiração transvaginal guiada por ultrassom para captação oocitária.

Uma agulha especial, fixada ao transdutor vaginal e acoplada a um sistema fechado de aspiração com pressão negativa controlada, permite, pela parede vaginal, atingir os ovários, esvaziar os folículos e obter o líquido intrafolicular aspirado em tubo de Falcon® de 14ml, com fundo redondo. Em meio a este líquido posteriormente despejado em placas de petri, localizam-se, sob estereomicroscópio, os oócitos rodeados pelas células granulosas, chamados de complexo cúmulus-oóforos (CO).

Em raras ocasiões, quando existem dificuldades ou riscos na realização das aspirações foliculares por via transvaginal, por quadros aderenciais graves, ou malformações, elas podem ser feitas por via laparoscópica, transvesical ou até mesmo laparotômica.

PROTOCOLOS LABORATORIAIS PARA UM CICLO DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO CLÁSSICA

Véspera da folículo-aspiração

Na véspera da captação oocitária, algumas providências devem ser tomadas quanto ao preparo dos materiais e meios de cultura (MC).

Os meios que contêm Hepes, como, por exemplo, o HTF modificado, não precisam ser balanceados previamente, sendo somente aquecidos no dia de sua utilização. Já os meios não tamponados, como o HTF simples, devem permanecer entre 12 e 24 horas em incubadora com concentração entre 5% e 7% de CO2, a 37 ºC e com 98% de umidade antes de entrar em contato com os gametas e embriões.

O óleo mineral deve ser filtrado (millipore 0,8µ) e posteriormente misturado na proporção 1:1 com HTF simples e permanecer em incubadora nas mesmas condições dos meios entre 12 e 24 horas.

DIA DA FOLÍCULO-ASPIRAÇÃO E INSEMINAÇÃO (DIA ZERO –D0)

No dia da folículo-aspiração, o embriologista, assim que chega ao laboratório, checa a temperatura e a umidade do ambiente, a temperatura das placas aquecedoras e das incubadoras e avalia a concentração de CO2 destas últimas.

Conhecendo previamente o número total de folículos com mais de 14 mm de diâmetro, obtidos após estimulação ovariana e avaliados pelo ultrassom no dia da indicação do hCG, o embriologista calcula o numero provável de óvulos que serão obtidos, podendo preparar a quantidade adequada de placas de reconhecimento e inseminação que serão utilizadas. São necessárias para o procedimento de reconhecimento e lavagem inicial dos oócitos (processo também chamado de flushing) placas de 60 mm x 15 mm com poço central. Na área do poço central, coloca-se 1 ml de HTF simples com 10% a 15% de HSA (soro albumina humana) ou SSS (soro sintético substituto) sob 2 ml de óleo mineral previamente balanceado. Em lugar do HTF simples, pode-se utilizar qualquer dos meios da Tabela 1, entre outros. Calcula-se uma placa para cada oito ovócitos, que, uma vez montadas, são mantidas na incubadora até o momento de sua utilização. São preparadas também neste momento inicial placas de quatro poços para inseminação. Cada poço da placa e preenchido com 750µL de HTF simples, com 10% a 15% de SSS ( ou outro meio da Tabela 1), recoberto com 400µL de óleo mineral balanceado, e, posteriormente, a placa é mantida em incubadora.

Tabela 1. Meios para flushing e cultivo de embriões com duas a oito células

Nome Utilização e fabricante
G-GAMETETM Com HSA, necessita permanecer em 6% de CO2 e 37 ºC cerca de 12 a 18 horas antes de sua utilização – Vitrolife
G-IVFTM Cerca de 12 a 18 horas antes de sua utilização, deve permanecer em 6% de CO2 e 37ºC. Adicionar HSA ou SSS – Vitrolife
HTF SIMPLES Cerca de 12 a 18 horas antes de sua utilização, deve permanecer em 6% de CO2 e 37ºC. Adicionar HSA ou SSS – Irvine Scientific
Universal IVF Medium TM Cerca de 12 a 18 horas antes da sua utilização, deve permanecer em 6% de CO2 e 37 ºC – Medicult
Early Cleavage Medium ® ECM® Cerca de 12 a 18 horas antes de sua utilização, deve permanecer em 6% de CO2 e 37ºC. Adicionar HSA ou SSS – Irvine Scientific
EmbryoGen® Contém GM –GSF growth fator – Medicult

Imediatamente antes da folículo-aspiração, tubos de Falcon® de fundo redondo de 14 ml são preenchidos com 1 ml de HTF modificado com 10 UI/ml de heparina (ou outro meio para aspiração constante da Tabela 2) e colocados no aquecedor de tubos para serem encaminhados a sala de cirurgia.

Tabela 2. Meios de cultura para folículo-aspiração

Nome Utilização e fabricante
ASPTM Com 10 UI/ml de heparina – Vitrolife
G-MOPSTM Com solução tampão, necessita de suplementação com 5 UI/ml a 10 UI/ml de heparina – Vitrolife
SynVitro® Flush Com 10 UI/ml de heparina – Medicult
HTF modificado Necessita de suplementação com 5 UI/ml a 10 UI/ml de heparina – Irvine Scientific

 

 

 

 

 

 

Os tubos são acoplados à agulha de aspiração e a bomba de pressão negativa. Depois, vão sendo trocados ao longo do procedimento, conforme vão sendo preenchidos com o líquido folicular. Anotam-se quantos folículos foram aspirados por tubo, no intuito de procurar o número equivalente de oócitos.

A placa de reconhecimento com o poço central já contendo HTF suplementado sob óleo e retirada da incubadora e a sua área externa, somente neste momento, é preenchida com 2 ml de HTF com Hepes.

O conteúdo de cada tubo e despejado em placa de petri de Falcon® de 100 mm x 20 mm e, sob o estereomicroscópio, localizam-se os complexos cumulus-oóforos (oócitos rodeados de células da granulosa e protoaminoglican) (Figura 1). Cada oócito reconhecido é imediatamente retirado do líquido folicular com pipeta Pasteur 5» ¾, lavado na parte externa da placa de reconhecimento contendo HTF com Hepes e, posteriormente, depositado no poço central da placa contendo HTF simples suplementado com 10% a 15% de SS, sob óleo mineral (Figura 2). Todo procedimento de reconhecimento é feito sob fluxo laminar, sobre a placa aquecida, com a menor exposição à luz possível, pois variações de temperatura e luz são extremamente prejudiciais. Após o reconhecimento, as placas contendo os oócitos são mantidas de três a seis horas em incubadoras a 37º C, com 5% a 7% de CO2, dependendo do meio de cultura utilizado, e com 98% de umidade, para sua maturação final. Todas as placas devem ser adequadamente identificadas com o nome e o registro da paciente, assim como devem apresentar o numero de oócitos ali contidos.

Os óvulos são classificados quanto a sua provável maturidade, pois, uma vez rodeados pelas células da granulosa, fica difícil avaliar adequadamente a presença de corpúsculo polar que caracteriza definitivamente o oócito como maturo, em metáfase II, ou a presença de vesícula germinativa (VG), que caracteriza imaturidade, estando o ovócito em prófase I; ou a ausência tanto do corpúsculo quanto da VG que caracteriza o estagio de metáfase I. Desta maneira, são avaliadas as características das células da granulosa, e financia do cúmulos. Habitualmente, oócitos em metáfase II apresentam-se com a granulosa radiada, com grande numero de células, espaçadas e citoplasma claro, além de ser fácil notar a grande filancia do cúmulos (Figura 3). Na metáfase I, a granulosa contém muitas células, mas compactas (Figura 4), e na prófase I, o número de células e bem reduzido, além do citoplasma do oócito ser também mais escuro. Aqueles gametas imaturos são mantidos por mais cerca de 12 a 24 horas em cultura, para atingir a maturidade antes de serem inseminados.

Figura 1. Turbo de 14 ml, com HTF modificado com 10 UI/ml de heparina, preenchido com liquido folicular sendo despejado em placa de 100 mm x 20 mm. Visualização de dois complexos cúmulus-oóforos (pequenas estruturas acinzentadas e translucidas – setas), em meio ao liquido folicular.

Figura 2. Placa de reconhecimento com HTF suplementado com SSS, sob óleo mineral no poço central, e HTF modificado na área externa. Presença de três complexos cumulus-oóforos no poço central (seta).

Figura 3. Complexo cúmulos-corona de oócito maduro. Células da granulosa em grande quantidade, claras e esparsas. Imagem obtida em microscópio invertido, com aumento de 100 vezes, com filtro Hoffmman.

Figura 4. Oócito imaturo. Menor quantidade de células da granulosa de citoplasma escuro e compactadas. Imagem obtida em microscópio invertido, com aumento de 200 vezes, com filtro Hoffmman.

Em paralelo ao manuseio dos gametas femininos, ocorre o processamento do sêmen, que consiste na separação dos gametas masculinos do plasma seminal por meio de centrifugação em meio de cultura simples ou em gradientes descontínuos de polivinilpirrolidone (ex.: Isolate® – Irvine).

Após o período de incubação, os oócitos maduros são transferidos para as placas de inseminação, sendo depositados no máximo três oócitos em cada poço, deixando sempre um dos quatro poços livres para que, no dia seguinte, os oócitos possam ser desnudados neste local para posterior avaliação da fertilização. Uma media de 100 mil espermatozoides moveis por ml, obtidos pós-processamento, é depositada em cada um dos poços com oócitos. Depois da inseminação, as placas são mantidas em incubadora.

São preparadas neste dia as placas de cultivo embrionário de 35 mm x 15 mm, para serem utilizadas no dia seguinte. O meio utilizado nas placas de cultivo varia de acordo com o tempo de cultivo embrionário pretendido. O pré-embrião apresenta diferentes necessidades, de acordo com seu desenvolvimento. Embriões com duas a oito células não metabolizam adequadamente a glicose, sendo ideiais, então, meios com menores quantidades deste soluto. Já no período de oito células ate blastocisto, existem outros compostos orgânicos que devem estar presentes no meio, como aminoácidos essenciais. Em função dessas variantes, há suas linhas de meios: aqueles ditos globais, como o Single Step MediumTM SSMTM (Irvine Scientific) e Global

®

(Lifeglobal), entre outros que são aplicáveis para todo o período de cultivo embrionário, desde a fertilização até o blastocisto, e outros, ainda, conhecidos como sequenciais, como, por exemplo, o S1 e o S2; o ISM – 1 e ISM – 2TM (Medicult); o P1® e o MultiblastMedium® (Irvine Scientific), em que se inicia o cultivo com o primeiro meio, trocado quando o embrião chega a oito células, para que este atinja estádio de blastocisto em cultivo no segundo meio. Independentemente do MC, as placas são montadas com microgotas de 20 µL a 50 µL sob óleo mineral ou de parafina, e mantidas em incubadora por 24 horas até sua utilização.

 CHECAGEM DA FERTILIZAÇÃO – DIA + 1 (D1)

Na manhã seguinte (Dia + 1), ou melhor, de 12 a 18 horas depois, as placas de inseminação são retiradas das incubadoras e, sob fluxo laminar, em estereomicroscópio, transferem-se os óvulos dos três poços onde foram inseminados para o poço limpo de cada placa, onde serão gentilmente desnudados, ou seja, o excesso de células da granulosa e espermatozoides aderidos na zona pelúcia (Figuras 5 e 6) são mecanicamente retirados pela passagem sucessiva dos óvulos, um a um, por finos capilares de diâmetros progressivamente menores (Stripper tips) de 145 um a 125 um (Figura 7). Ao final da desnudação, cada oócito e transferido isoladamente para uma gota da placa de cultivo, preparada na véspera.

Cada placa de cultivo e cada uma de suas gotas são numeradas, permitindo a identificação de cada oócito e possibilitando o acompanhamento da evolução individual de cada pré-embrião ao longo dos dias. A placa de cultivo com os óvulos é transferida para um microscópio invertido, onde, sob aumento de 400 vezes, é verificada a presença dos dois pronúcleos (PNs), masculino e feminino, o que comprova a fertilização. Fertilizações anômalas podem ocorrer, como a verificação de somente um pronúcleo ou a presença de três ou mais PNs no oócito, sendo, então descartados. Do total dos óvulos maduros ( em metáfase II) submetidos à FIV, cerca de 60% a 70% fertilizam. Os pronucleados são classificados morfologicamente, de acordo com a simetria entre ambos os PNs, com o alinhamento deles com os corpúsculos polares e com a distribuição, no seu interior, dos corpúsculos precursores dos nucléolos, que devem estar em número superior a sete e dispersos em ambos os PNs (Figura 8), ou em número menor do que sete e polarizados na interface de contato dos PNs (Figura 9)3. Todos os dados sobre a fertilização e a classificação dos pronucleados são anotados em formulários específicos, onde diariamente serão descritas as suas clivagens e evoluções.

Figura 5. Oócito na placa de inseminação, antes da denudação, apresentando excesso de células da granulosa e espermatozoides aderidos na zona pelúcida. Imagem obtida em microscópio invertido, com aumento de 200 vezes, com filtro Hoffmman.

Figura 6. Detalhe da zona pelúcia do oócito após 12 a 18 horas de inseminação, apresentando células da granulosa e espermatozoides aderidos. Imagem obtida em microscópio invertido, com aumento de 400 vezes, com filtro Hoffmman.

Figura 7. Procedimento de denudação de oócitos após inseminação, em placa de quatro poços preenchidos com meio de cultivo, sob óleo mineral.

Figura 8. Esquematização e foto de zigoto apresentando pronúcleos (PN) justapostos, centralizados, com distribuição normal dos corpúsculos precursores dos nucléolos, sendo estes pequenos, em número superior a sete por PN e dispersos. No citoplasma, nota-se a presença de halo citoplasmático. Imagem obtida em microscópio invertido, com aumento de 400 vezes, com filtro Hoffmman.

Figura 9. Esquematização e foto de zigoto apresentando pronúcleos justapostos, centralizados, com distribuição normal dos corpúsculos percussores dos núcleolos, sendo estes grandes, em numero inferior a sete por PN e polarizados. No citoplasma, nota-se a presença de halo citoplasmático. Imagem obtida em microscópio invertido, com aumento de 400 vezes, com filtro Hoffmman.

VERIFICAÇÃO DA CLIVAGEM – DIA + 2 (D2)

No dia seguinte, 48 horas após a inseminação, verifica-se a presença de divisão celular entre os fertilizados. Nesse momento, habitualmente, apresenta de 4 a 6 células, ou melhor dizendo, blastômeros. Com 72 horas, frequentemente os pré-embriões com desenvolvimento adequado se encontram com 8 a 10 blastômeros. Em algumas situações ou protocolos, como já citado, os embriões são mantidos em cultivo até o quinto ou sexto dia, atingido o estagio de blastocisto (Figura 10).

Figura 10. Blastocisto no sexto dia de cultivo em meio de cultura Single Step Medium® – Irvine Scientific. Imagem obtida em microscópio invertido, com aumento de 400 vezes, com filtro Hoffmman.

CLASSIFICAÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE EMBRIÕES

A transferência (TE) dos pré-embriões pode ser realizada no chamado Dia+2 (48 horas), no Dia+3 (72 horas) ou em estágios mais avançados, já na forma de blastocistos com cinco a seis dias de cultivo.

Os melhores embriões são selecionados para a transferência, de acordo com a sua qualidade morfológica. Entre os principais parâmetros avaliados estão o tempo de clivagem dos embriões, a presença de fragmentação citoplasmática (fragmentos celulares anucleados que aparecem entremeando os blastômeros), a simetria entre os blastômeros, a presença de vários núcleos em vez de um único por célula, a compactação e o aspecto do citoplasma. Embriões com blastômeros simétricos e ausência de fragmentação são classificados como embriões do tipo I, segundo Veeck LL4. Já aqueles com fragmentação até 20% , sem assimetria, são considerados do tipo II. A presença de assimetria entre os blastômeros com até 20% de fragmentação os torna do tipo III. A existência de 20% a 50% de fragmentação caracteriza os embriões do tipo IV, e os do tipo V apresentam mais do que 50% do seu volume ocupado por fragmentos. Outros parâmetros de classificação são discutidos em capítulo específico deste atlas.

Nos primórdios da FIV, em razão do alto do custo dos procedimentos e das baixas taxas de implantação, a maioria dos centros de Reprodução Assistida (RA) transferia um elevado numero de embriões para cavidade uterina, visando a otimização dos resultados. Esta prática promoveu um aumento significativo das gestações múltiplas em comparação aos dados da população geral, que não ultrapassam 2%. Ainda hoje, na população submetida à FIV, segundo dados do CDC5, as gestações múltiplas estão presentes em 31,8% dos ciclos, sendo 28% gemelares, 3,8% trigemelares e o restante quadrigemelares ou mais. As gestações múltiplas são, atualmente, consideradas iatrogenias da RA, em função dos riscos e dos custos da prematuridade, morbidade e mortalidade neonatal. Atualmente, o Conselho Federal de Medicina consente com a transferência de até dois embriões para a cavidade uterina em pacientes com até 35 anos de idade; para pacientes com idades entre 36 e 39 anos, até três embriões e, naquelas com mais de 40 anos, permite-se a transferência de ate quatro embriões. A transferência de um único embrião, a chamada SET (Single embryo transfer) eletiva, sem queda nas taxas de gravidez, é o grande objetivo dos centros de reprodução. Gerris et al. preconizam em mulheres com menos de 36 anos, na primeira ou na segunda tentativa de FIV, a TE de um único embrião de boa qualidade morfológica e, na ausência deste, a TE de no máximo dois pré-embriões. Em mulheres com idades entre 37 e 39 anos, dois PE, e somente a colocação de três ou quatro PE em mulheres com mais de 39 anos naquelas com dois ciclos anteriores infrutíferos6.

O principal problema nas transferências de números menores de embriões é que o aspecto da morfologia do embrião no momento da transferência não traduz obrigatoriamente a sua capacidade de implantação e evolução. Muitas vezes, pode-se deixar de transferir aquele embrião com reais chances de implantação por não ser o melhor no aspecto morfológico. Futuramente, com o desenvolvimento e o domínio das técnicas de avalição do genoma embrionário, o transcriptoma (avaliação do RNAm), o protetoma (produção de proteínas) e o metaboloma (estudo dos metabólitos produzidos por cada embrião), será possível uma escolha mais adequada, garantindo maiores chances de implantação e adequado desenvolvimento.

As TEs são realizadas sem necessidades de analgesia, pela passagem de um cateter carregado com os embriões através do colo uterino. Este momento é crucial para o sucesso do ciclo. O ideal e que a mulher esteja com a bexiga cheia, pretendendo-se a retificação da flexão colo-corpo-uterino. Lava-se exaustivamente o colo com o soro fisiológico e, posteriormente, com solução tampão (PBS1X ® – Irvine). O cateter é carregado com os embriões em meio de cultura enriquecido com 50% de SSS. Evita-se tocar o fundo do útero com o cateter, evitando contrações miometriais, sendo o cateter, de preferencia, bem macio e maleável, para diminuir o trauma no endométrio. O acompanhamento do procedimento por ultrassom via transabdominal é recomendado.

Os cateteres variam quanto a sua rigidez, presença de camisa externa, presença de guia metálico-moldável, podendo ou não apresentar ponta hiper-refringente ao ultrassom (eco-tip). Essas opções de cateter existem para superar eventuais dificuldades na hora de sua passagem pelo canal endocervical . O ideal e realizar o assim chamado mock test, que representa a passagem do cateter vazio, em ciclo anterior ao procedimento, para diagnosticar possíveis dificuldades e eventualmente indicar dilatação cervical prévia. Transferências difíceis, em que ocorre sangramento, diminuem as taxas de gestação em até 50%.

RESULTADOS

Segundo dados do registro de 2008 da Rede Latino-americana de Reprodução Assistida, a taxa de gravidez clínica foi de 35,58% por transferência embrionária e, no Centro de Reprodução Humana do Hospital Perola Byington, foi de 29%, devendo-se lembrar que este último se trata de uma instituição pública e de ensino para residentes e estagiários das áreas médica e biomédica.

FERTILIZAÇÃO IN VITRO COM INJEÇÃO INTRACITOPLASMÁTICA DE ESPERMATOZOIDES VS. FERTILIZAÇÃO IN VITRO CLÁSSICA

O ano de 1992 representa um marco histórico no tratamento da infertilidade masculina, pelo surgimento da chamada injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI), que revolucionou a conduta no fator masculino grave. A diferença entre a FIV clássica e a ICSI é que, nesta última, a fertilização do óvulo não ocorre espontaneamente, mas, sim, é provocada, de maneira mecânica, pelo depósito de um espermatozoide diretamente no citoplasma ooctário por meio de micromanipulação (técnica descrita em capítulo específico deste Atlas).

A ICSI deveria ser indicada somente nos casos de fator masculino grave, falha de fertilização pela técnica de FIV clássica ou perante a necessidade de diagnostico pré-implantacional, para evitar contaminação com DNA de espermatozoides aderidos na zona pelúcida dos embriões oriundos de ciclos de FIV.

O que nos chama a atenção é que cada vez mais os ciclos de FIV clássica vêm sendo abandonados pelos centros de RA, em detrimento da aplicação da ICSI, mesmo em casos em que esta última técnica não estaria indicada. Para exemplificar, em 2008, segundo dados da Redlara, dos 25.896 ciclos iniciados, somente 3.842 (14,83%) foram de FIV clássica, e os 22.056 (85,17%) restantes foram de ICSI, embora somente 30% das indicações de RA tenham sido por fator masculino.

Os centros que não fazem mais nenhum ciclo de FIV clássica justificam que a ICSI é melhor por garantir maios fertilização, diminuindo os casos sem embriões para transferência, uma vez que os casais têm custos elevados para fazer uma tentativa de fertilização. Esquecem-se, porém, que a FIV clássica ocorre uma escolha mais fisiológica do espermatozoide, e a manipulação dos gametas é menor. Além disso, o estudo da gametologia e a avaliação da fertilização espontânea são partes importantes do diagnóstico do fator de infertilidade sem causa aparente.

Dados comparando as taxas de implantação segundo a técnica de fertilização não mostraram diferenças estatisticamente significantes, apesar de serem mais elevadas na FIV clássica, de acordo com dados da Redlara, (Registro de 2008 – Gráfico 1), A FIV clássica tem ainda um papel importante dentro da RA, não podendo ser abandonada.

Gráfico 1. Taxa de implantação em cada fixa etária segundo a técnica de fertilização.

REFERÊNCIAS

1.Steptoe PC, Edwards RG. Birth after the implantation of human embryo. Lancet. 1978;12;2(8085):366.

2. Karten MJ, Rivier JE.Gonadotropin-releasing hormone analog design. Structure-function studies towards the development of agonists antagonists: rationale and perspectives. Endocr Rev. 1986;7(1):44-66.

3. Donadio NF, Donadio N. Influência nas taxas de implantação, da seleção de pré-embriões para transferência uterina, a partir do escore dos pronucleados associado ao obtido no terceiro dia de cultura. RBGO. 2005;27(5):295.

4. An atlas of human gamets and conceptuses: an illustrated reference for assisted reproduction technologies. Lucinda L. Veeck. 1999. Parthenon Publishing group.

5. Gerris JMR, Human Reprod Update. 2005;11(2)105-21.

6. Registro Latino-americano de Procedimentos de Reprodução Assistida 2008. Disponível em: www.redlara.com

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