Nilson Donadio
Nilka Fernandes Donadio
Todos os procedimentos de reprodução assistida (RA) são alternativos e devem ser aplicados na impossibilidade ou na falha dos tratamentos clássicos de reprodução humana. As técnicas de RA não tratam diretamente a causa da infertilidade nem devolvem ao casal o domínio sobre a sua fertilidade; somente criam a possibilidade de gestação toda vez que for desejada, mantendo, dessa forma, a constante dependência de tratamento médico para esse fim. Os procedimentos de RA não devem ser somente úteis, mas absolutamente necessários.
É considerada como a primeira inseminação artificial intra-uterina (IA) aquela descrita em 1941, por Seymor e Koerner.1 Nessa técnica, os gametas masculinos são depositados além do canal cervical, dentro da cavidade uterina; para isto; é obrigatório o processamento do sêmen em laboratório, para que sejam separados os espermatozoides do plasma seminal, imitando-se a chamada capacitação que ocorre in vitro.
Numerosas são as variantes técnicas de processamento seminal. Entre as mais comuns estão a câmera de Tea e Jondet, o duplo lavado com swim up e a seleção e filtração em gradiente descontínuo. Visando melhores resultados, preconiza-se aplicação de esquemas brandos de estimulação ovariana controlada previamente à IA, que serão descritos a seguir.
Após o estímulo ovariano, controlado basicamente pela ultra-sonografia (USG) transvaginal no período ovulatório, realiza-se a coleta seminal e seu posterior processamento; o material resultante, contendo os espermatozoides re-suspensos em 1 a 3 ml de meio de cultura, é depositado lentamente na cavidade uterina com auxílio de catéteres especiais.
Em cada ciclo menstrual espontâneo ou medicado, realizam-se 2 a 3 inseminações, com intervalo de 12 a 24 horas entre elas. Pode-se optar por uma única inseminação, dependendo da monitoração, para identificar adequadamente o período ovulatório imediato (USG, repetidas dosagens de LH e aplicação de hCG ou recombinante).
As chances de gestação por ciclo de tentativa baseiam-se ao redor de 15%.2
Na FIV manuseiam-se, além dos espermatozóides, ovócitos obtidos durante folículo-aspiração transvaginal guiada por USG, que ocorre 34 a 36 horas após a aplicação de gonadotrofina coriônica humana ou recombinante, tendo-se realizado previamente hiperestimulação ovariana controlada. Os gametas masculinos e femininos são colocados conjuntamente em meio de cultura, possibilitando a fertilização espontânea in vitro, que é a penetração do espermatozóide pelos seus próprios mecanismos de interação, com posterior obtenção de pré-embriões. Dois ou três pré-embriões selecionados por apresentarem melhor morfologia são transferidos para a cavidade uterina.
A primeira gestação por fertilização in vitro (FIV) foi conquistada por Steptoe e Edwards, em 1978,3 pela fertilização de um único ovócito obtido em ciclo menstrual espontâneo. O nascimento de Louise Brown provocou uma revolução nos tratamentos de infertilidade conjugal, principalmente entre mulheres com fator tubo-peritoneal.
Com o maior desenvolvimento técnico e medicamentoso, Trounson et al.4 obtiveram gestação por FIV, na qual os ovócitos foram obtidos após superovulação medicamentosa. A hiperestimulação ovariana permite a obtenção de maior quantidade de ovócitos, com consequente aumento no número de pré-embriões, otimizando os resultados da FIV. Atualmente, estes resultados giram em torno de 30 a 42% de gravidez por ciclo.5 No Brasil, os resultados positivos quanto a nascimentos pela FIV surgiram entre 1982 e 1983.6
O desenvolvimento do equipamento chamado micromanipulador tem possibilitado manuseio mais precioso e delicado de ovócitos e espermatozóides.7 Palermo desenvolveu a FIV com ICSI (intracytoplasmatic sperm injection),8 que consiste na injeção de um único espermatozóide dentro do citoplasma do ovócito maduro, desnudado artificialmente. Esta técnica revolucionou os resultados de FIV com fator masculino, substituindo as técnicas de micromanipulação anteriormente descritas.
Na FIV com ICSI, os espermatozóides podem ser obtidos do ejaculado, diretamente dos canais deferentes durante reanastomoses ou ainda do epidídimo ou testículo por técnicas percutâneas ou microcirúrgicas denominadas TESA (testicular sperm aspiration),9 TESE (testicular esperm extraction),10 MESA (microsurgical epidydimal sperm aspiration)11 e PESA (percutaneous epidydimal sperm aspiration).12 Nos casos de azoospermia e na ausência de espermatozóides maduros nas biópsias testiculares, células germinativas imaturas também podem ser utilizadas para fertilização de ovócitos, por meio de procedimentos conhecidos por ELSI (elongated spermatid injection),13 ROSI (round spermatid injection)14 e ROSNI (round spermatid nuclear injection).15
O folículo cresce rapidamente ao atingir 10 mm em seu maior diâmetro aumentando, em seguida, 2 a 4 mm por dia, ocorrendo a postura ovular entre 22 a 30 mm. A imagem por USG de “descolamento ou roda dentada” surge 6 a 8 horas antes da postura ovular. Frente a esses dados ecográficos somados à curva de LH, pode-se agendar os procedimentos de RA.
Os ciclos espontâneos, além de proporcionarem um único óvulo para o laboratório, podem ser prejudicados pelo pico precoce de LH endógeno, nem sempre detectável na prática. Por outro lado, sabendo-se que apenas 4 óvulos são viáveis em 1 ano de ciclos espontâneos em mulheres normais, pode-se coincidir um procedimento de RA com ciclos naturais infrutíferos. Apesar do exposto, visando-se realizar IA ou FIV em ciclos espontâneos, deve-se monitorar o LH sérico (múltiplas avaliações), além de realizar controles ecográficos para acompanhar o crescimento folicular.
Outro grande inconveniente dos ciclos espontâneos e sem bloqueadores do LH endógeno é justamente a necessidade de se agendar os procedimentos ao ritmo ovariano, sendo este a qualquer hora do dia ou da semana. No entanto, quando, entre outros dados ecográficos, identifica-se folículo com 20 mm, pode-se administrar gonadotrofina coriônica (hCG), na dose de 5.000 a 10.000 UI, esperando-se ruptura folicular entre 36 e 40 horas após sua aplicação. Ocorre, às vezes, a administração do hCG em pleno pico de LH endógeno não identificado previamente, ficando difícil seguir essa regra. Os antagonistas do GnRH podem ser utilizados para impedir o pico do LH, enquanto se acompanha a maturação folicular e, assim, agendar a aplicação do hCG sem risco de ovulação precoce.
Visando o estímulo ovariano para procedimentos de RA de baixa complexidade (IA), ou para FIV de mulheres potencialmente hiperrespondedoras, habitualmente utiliza-se esquemas com citrato de clomifeno (CC), na dose de 100 mg/dia, do 3º ao 5º dia do ciclo, podendo associá-lo ao uso de gonadotrofinas exógenas, em dias alternados ou diariamente, em doses baixas de 50 a 150 UI/dia.16 Entre as gonadotrofinas exógenas citam-se a gonadotrofina de mulher na pós-menopausa (HMG) (Menogon®), a HMG ultrapurificada (MENOPUR®), FSH urinário (FSHu)(Fostimon®), a alta e a beta folitrofina constiuídas por FSH recombinante (FSHr) (Gonal F®, Puregon®), entre outras. Muito se discute a qualidade da resposta aos estímulos utilizando diferentes gonadotrofinas. O único consenso é a preferência pelo HMG, em casos de mulheres com hipogonadismo hipogonadotrófico, pela necessidade do LH no início da foliculogênese, e pelo FSH recombinante para aquelas com anovulação crônica.
Controles ecográficos são realizados com intervalos de 1 a 3 dias, nos quais avalia-se o número de folículos em crescimento e os diâmetros médios de cada um, além do desenvolvimento endometrial, que deve ser compatível com o crescimento folicular. Não são raros os ciclos com CC isolado que devido à sua ação antiestrogênica acarreta assincronismo do endométrio, contornável pelo uso do estrógeno na dose de 2 a 6 mg/dia, de forma associada. Nas respostas inadequadas, suspende-se o ciclo e inicia-se outro com CC combinado com gonadotrofina.
Quando se utiliza CC, considera-se ideal obter folículos com diâmetro médio entre 20 e 22 mm, e, na vigência de gonadotrofinas exógenas associadas ou isoladas, folículos entre 16 e 18 mm. A maioria dos autores considera como ideal para interrupção do estímulo a obtenção de pelo menos 1 folículo de 18 mm e 3 de 16 mm, ou ainda, quando 50% dos recrutados acima de 10 mm chegam a 16 mm. Ao término do estímulo, aplica-se 5.000 a 10.000 UI de hCG (Choriomon®, Choragon®) ou 250 mcg do equivalente recombinante (Ovidrel®). Agenda-se a IA ou a folículo-aspiração para 34 a 36 horas da aplicação do hCG. Alguns autores preconizam, como descrito anteriormente, a realização de 2 ou 3 inseminações no mesmo ciclo, sendo realizadas 24, 36 e até 48 horas após a aplicação do hCG.17
Por ocasião do estímulo, tenta-se evitar a síndrome de hiperestímulo, discutida mais adiante. Antes do início de qualquer estímulo ovariano deve-se realizar um primeiro controle ecográfico para avaliação do endométrio e eventual persistência de cistos nos ovários produtores de E2.
Inicia-se o estímulo na fase folicular inicial, preferencialmente no 2º dia, até no máximo o 5º dia do ciclo. O recrutamento será mais amplo quanto mais cedo se administrar o indutor da ovulação. Habitualmente, visando a FIV, inicia-se o estímulo com doses maiores de gonadotrofinas, que variam de acordo com a idade da paciente e outros dados sobre a provável reserva ovariana. Para mulheres com ciclos ovulatórios regulares, sem antecedentes de cirurgias ovarianas, com FSH de 3º dia do ciclo inferior a 12 UI/ml, as dose iniciais habituais são de 150 UI/dia para aquelas com idade inferior a 30 anos, 225 UI entre 30 a 35 anos, 300 UI/dia para a faixa etária entre 35 a 40 anos e 450 UI/dia para as mulheres de idade mais avançada.
A dose inicial é mantida por 3 a 4 dias, data em que se realiza o primeiro controle ecográfico transvaginal do estímulo. Se o controle mostrar número adequado de folículos recrutados entre 10 e 12 mm, pode-se diminuir a dose de gonadotrofina. As demais ultrassonografias de controle devem ser realizadas a cada 2 dias ou diariamente (Figura 34.1). Quando um folículo atinge 18 mm e 50% dos demais folículos recrutados chegam ao diâmetro médio de 16 mm, pode-se interromper o estímulo. Deve-se atingir no mínimo 3 folículos de 14 a 16 mm, nos maiores diâmetros, isto é de 900 a 1200 pg/ml, de E2 (300 por folículo). A USG detalha a característica da maturidade folicular.

FIGURA 34.1 Controle com ultrassom transvaginal do recrutamento e do crescimento folicular.
As avaliações plasmáticas do LH e da progesterona auxiliam nesta monitoração, porém, os aparelhos de USG são suficientes para determinar o momento para a interrupção do estímulo (rotina na maioria dos casos). A maioria das mulheres sob 8 a 12 dias de estímulo apresentam o número e diâmetros foliculares desejados para 24 horas depois da ultima dose de FSH ou HMG; aplica-se, nesse momento, o hCG. Determina-se então o horário de aplicação do hcg, 10.000 UI ou 250mcg do equivalente recombinante. Agenda-se o procedimento de folículo-aspiração para 34 a 36 horas após a aplicação do hCG. É importante lembrar que é ideal que o intervalo entre a última dose do estímulo ovariano e do hCG não seja superior a 36 horas, devido ao risco de atresia folicular pela queda do FSH circulante.
De 9 a 20% dos ciclos são cancelados por estimulação excessiva, pelo risco de síndrome de hiperestímulo ou resposta pobre. Diante de respostas pobres, caracterizadas por baixo recrutamento folicular e endométrio impróprio (espessura menor que 7 mm) e havendo tubas uterinas permeáveis, substitui-se a FIV pela IA, procedimento de menor complexidade.
Nos ciclos onde não é realizado o bloqueio do eixo hipotalâmico-hipofisário, eventualmente pode ocorrer o pico espontâneo de LH, prejudicando os resultados da folículo-aspiração pelo desencadeamento da ovulação. Visando melhor agendamento das folículo-aspirações e evitando o pico espontâneo de LH endógeno, realiza-se, em ciclos de FIV, o bloqueio das gonadotrofinas endógenas, utilizando-se análogos do hormônio liberador de gonadrotrofinas (GnRHa) ou então seu antagonista.
Durante o estímulo ovariano com as gonadotrofinas exógenas impede-se ou se atrasa o pico de LH endógeno, mantendo o mesmo bloqueado com uso de análogo agonista sintético do GnRH ou seu antagonista.
No esquema denominado curto, o análogo do GnRH é administrado em doses de 5 ou 10 UI/dia (Lupron®, Reliser®), ou 400 mcg/dia (Synarel®) desde o 1º ou 2º dia do ciclo, promovendo descarga ascendente de FSH e LH (flare-up) por 3 dias. A seguir, ocorre queda paulatina, com secreção de gonadotrofinas endógenas muito baixas e inativas a partir de 6 a 9 dias. Nessas condições, o bloqueio real do LH é antecedido por estímulo transitório das gonadotrofinas endógenas sobre os ovários, que acaba provocando um primeiro recrutamento folicular (flare-up). Institui-se desde o 2º ou 3º dia do ciclo o estímulo ovariano com as gonadotrofinas exógenas, HMG, FSHu ou FSHr. O GnRHa é interrompido ao fim deste estímulo, fundamentalmente no dia da aplicação do hCG.
Nos esquemas longos inicia-se o análogo de GnRH na 1ª ou 2ª fase do ciclo prévio, o qual é mantido diariamente, iniciando o estímulo ovariano com gonadotrofinas exógenas somente depois de 14 dias de bloqueio das gonadotrofinas endógenas. Promove-se nítido hipoestrogenismo e se perde o recrutamento folicular inicial (flare-up).
Dá-se preferência ao esquema que inicia o bloqueio do eixo depois de ocorrida a ovulação, em geral no 18º ao 20º dia do ciclo, em mulheres sem ovulação tardia. O ovário fica dependendo somente do seu mecanismo intrínseco de maturação folicular, enquanto não se inicia a aplicação de gonadotrofina exógena (HMG, FSHu ou FSHr). Nesse esquema, o análogo é mantido em doses de 10 UI/dia (Lupron®) aplicadas diariamente, podendo-se diminuir a dose para 5UL/dia, a partir do início do estímulo ovariano com as gonadotrofinas exógenas (HMG, FSHu ou FSHr), até a administração do hCG.
Normalmente, em ciclos espontâneos, uma nova onda de elevação de FSH endógeno é iniciada em torno de 4 dias antes da menstruação. Em função disso, iniciando o bloqueio no 20º dia do ciclo anterior, evita-se esse estímulo endógeno. Deixa-se com esse esquema o ciclo endometrial ocorrer normalmente, havendo menstruação, mas com os ovários bloqueados.
Quando aplicado o análogo na segunda fase do ciclo, mantendo o bloqueio por 14 dias, obrigatoriamente realiza-se um controle de USG antes de iniciar a estimulação ovariana. Somente se inicia o estímulo se a mulher apresentar ciclo menstrual, e endométrio ao controle ecográfico apresentar-se fino e os ovários bloqueados, excluindo, dessa forma, a possibilidade de uma gestação. Utiliza-se, então, esquemas com uso de antagonista do GnRH (acetato de cetrorelix – Cetrotide® / acetato de ganirelix – Orgalutran®):
Em esquemas de indução com o uso de antagonistas, deve-se iniciar o estímulo ovariano no 2º dia do ciclo, com as doses habituais de HMG, FSHu ou FSHr, que devem ser mantidas por 5 dias (6º dia do ciclo), quando deve ser realizada a primeira USG para adequação de doses. No 5º dia de estímulo (6º dia do ciclo), ou quando o maior folículo em desenvolvimento atingir 14 mm de diâmetro médio, deve-se iniciar a aplicação do antagonista na dose de 0,25 mg subcutâneo diário, que será mantido ate o dia da aplicação do hCG.
Varias circunstâncias patológicas e fisiológicas promovem ovários denominados poor responders. Em geral, mulheres com FSH basal elevado na fase folicular inicial, antecedente de cirurgia ovariana, fator peritoneal exuberante e cistos que dominam toda a gônada, entre eles os endometriomas, responderiam mal aos estímulos (a literatura é controversa quanto aos endometriomas).18 Sem dúvidas, as pacientes desde os 34 ou 35 anos diminuem as reservas foliculares ou começam a responder menos.
As camadas granulosas dos folículos não manteriam adequado feedback com o eixo hipotalâmico-hipofisário por insuficiência na produção de inibina B19 e outros fatores. Em consequência, por falta de inibição do FSH, este se apresenta sempre elevado, com produção precoce de estradiol. Na prática, observa-se FSH e/ou estradiol elevados precocemente no ciclo, dosados ao redor do 3º dia.
O prognóstico da reserva folicular é feito desde 1965 com o teste de Netter.20 Modernamente, dosa-se o FSH e o estradiol no 3º dia de ciclos espontâneos. Níveis de FSH acima de 15 UI (alguns autores consideram acima de 12 UI)21 e de estradiol acima de 80 pg/ml, no 3º dia do ciclo, são indicativos de provável claudicação ovariana. Para surpreender casos frustos, utiliza-se o teste de Navot: dosa-se o FSH no 3º dia menstrual, ministra-se citrato de clomifeno (CC), 100 mg/dia, do 5º ao 9º dia, e repete-se a dosagem deste hormônio no 10º dia do ciclo.22 Níveis de FSH acima de 15 UI isoladamente e principalmente acima de 25 UI, somando-se as duas dosagens, representam péssimo prognóstico reprodutivo em ciclos de FIV. Dosagens de inibina B inferiores a 45 pg/ml também cursam com péssimo prognóstico.23 Mais recentemente, alguns autores preconizam ser a dosagem sérica do hormônio anti-mülleriano, que corresponde a uma glicoproteína produzida pelas células da granulosa, que participa da esteroidogênese ovariana reduzindo a atividade da aromatase e dos receptores de LH, mais eficaz que a dosagem de FSH basal para prognosticar a reserva ovariana.24
As pacientes nas quais se identifica pobre reserva ovariana, com respostas inadequadas a estimulação, principalmente as idosas, são candidatas aos programas de ovo-doação ou embrio-doação. A não aceitação de óvulos obriga a tentativa dos mais variados esquemas; entre eles, a aplicação de altas doses de gonadotrofinas (450 UI por dia de FSHu ou FSHr), associada a bloqueios com mini dose de GnRHa ou antagonista; associação do FSHr ao LHr (Luveris®) quando os folículos recrutados atingem 14 mm; e até mesmo CC isolado ou CC mais FSH sem GnRHa. A esse grupo de mulheres é informado que a chance de gestação a termo com os próprios óvulos não ultrapassa 2 a 6%. Os resultados são desanimadores, mesmo associando-se com outras substâncias, como aspirina, corticosteróide etc.
Eventualmente, a idade real do ovário surpreende com respostas excelentes e até com hiperestímulo nesse grupo de mulheres. Em face disso, mais importante que a idade da mulher, são os níveis de FSH basal na fase folicular inicial, e a própria resposta ao estímulo ovariano.
A incidência da síndrome de hiperestímulo ovariano (SHO) em clinicas especializadas atinge 10% das mulheres submetidas ao hiperestímulo ovariano controlado (HOC); pode variar entre quadros leves, moderados e graves, representando estes últimos no máximo 2% do total. É rara nos esquemas usando citrato de clomifeno ou afins e agonistas do GnRH.25
A grande maioria das mulheres sob esquemas que desenvolvem muitos folículos acima de 10 mm nos maiores diâmetros apresentam algum grau de desconforto pélvico e abdominal, sintomas mamários e aumento de peso. A progressão dos sinais e sintomas, quando a resposta plurifolicular é exuberante, ocorre depois da aplicação de hCG urinário ou recombinante ao fim do estímulo com gonadotrofinas exógenas, isoladas ou associadas ao CC.
O quadro clínico pode se manifestar passados 2 a 5 dias do hCG ou serem mais tardios, depois de 10 dias até 3 semanas, coincidindo em muitos casos com gestações incipientes da RA. Surgem sinais e sintomas sistêmicos e localizados, desde nítido aumento das superfícies ovarianas, diâmetros gonadais que chegam ou ultrapassam 8 cm ao toque ou ao controle ecográfico e acúmulo de líquido facilmente reparável no fundo de saco, ambos sinais explicando o desconforto pélvico. Aumento mais pronunciado do peso corporal, distensão abdominal, vertigens, náuseas, vômitos e mesmo diarréia, nem sempre com dores pélvicas, podem se apresentar desde o inicio. Às vezes, ligeira dispnéia não referida pela mulher pode ser percebida pelo médico. Estes sinais e sintomas podem regredir espontaneamente ou evoluírem, obrigando controles laboratoriais e internações.
Os distúrbios tem sua fisiopatologia marcada pela ação do hCG encógeno ou exógeno sobre os ovários, exaltando o sistema renina-angiotensina, angiotensina I e II, fatores angiogênicos como o VEGF, e outras citoquinas que promovem, em consequência , vasodilatação, fuga de líquidos do compartimento intravascular para o 3º espaço, com ascite cada vez mais tensa e sintomática, hidrotórax ocasionando taquipnéia, derrame pericárdico, até anasarca. Ainda, aumento da viscosidade sanguínea, hipercoagulabilidade, aumento de plaquetas e hemoconcentração, desencadeando fenômenos tromboembólicos. Os distúrbios hidreletrolíticos alteram a perfusão renal, ocasionando oligúria (diurese menor que 500 a 600 ml nas 24 horas) ou até anúria. Concorrem, nos quadros mais graves, disfunção hepáticas.
Obviamente, a partir da piora progressiva do quadro, a internação e obrigatória assim como a participação efetiva de clínico, nefrologista e cardiologista, frente às alterações indicadas pelos exames antecipados pelo ginecologista: USG torácico e abdominal que indicam o sequestro de líquidos; em casos moderados hematócrito ate 45%, nos casos graves acima de 45% e, em condições criticas, acima de 55%. No mesmo sentido, ocorre leucocitose acima de 15.000, e em casos gravíssimos acima de 25.000, além do aumento das plaquetas; transaminase elevada, creatinina entre 1 e 1,5 ng/ml nos casos graves com clearance também patológico. Ionograma indicando sódio < 135 mEq/ml e potássio > 5 mg/ml.
A renina e a angiotensina aumentam de 30 a 40%; ocorre hipovolemia, hipotensão, menor perfusão renal, oligúria e retenção sódica na vasodilatação; choque hipovolêmico e distúrbios respiratórios se acentuam, inclusive com possibilidade de insuficiência renal, com creatinina > 1,6.
É da alçada do nefrologista e do cardiologista resolverem quanto às doses de expansores coloidais e diuréticos que devem ser prescritos, assim como da necessidade de paracenteses abdominais ou torácicas, assim como o uso de anticoalgulante mantido por 30 a 60 dias, mesmo após a regressão do quadro, devido à persistência da tendência de hipercoagulabilidade.
Raramente surgem quadros de hemoperitônio ou de torção anexial, que podem ter resolução cirúrgica dependendo da USG com Doppler do pedículo ovariano; após a distorção quando não há retomada de fluxo sanguíneo, obriga eventual anexectomia (Figura 34.2).
A possibilidade da SHO deve ser informada no consentimento antes de iniciar estímulo ovariano.

Figura 34.2 Anexectomia por torção completa de ovário.
Visando evitar a SHO, interromper-se as GnEx e , sem dúvida, não se aplica o hCG ou equivalente recombinante nas mulheres hiperresponsivas com mais de 15 folículos em desenvolvimento e, principalmente, além de 30 folículos (Figura 34.3) de 10 a 15mm de diâmetros médios, ou mais, com níveis de estradiol plasmático que ultrapassam 2.000 pg/ml, aumentando em 40% a ocorrência da síndrome quando E2 se encontra acima de 4.000 a 6.000 pg/mL.26 . Discute-se com o casal o cancelamento do esquema na suspeita de síndrome a partir do 6º dia do estímulo. Pode-se indicar folículo-aspiração prévia ao hCG, esvaziando um dos ovários, e seguir estímulo posteriormente por mais 2 ou 3 dias.
Outra alternativa, seria interromper a GnEx por 1 a 2 dias, no máximo 3, para promover eventualmente atresia de muitos folículos (coasting).

Figura 34.3 Ovário com mais de 30 folículos em desenvolvimento.
Tendo sido aplicado o hCG (nesses casos somente 5.000 UI) ou seu recombinante, resta fazer a folículo-aspiração total e , diante do quadro de sinais e sintomas que a paciente estiver esboçando, aplicar albumina EV rápida, 50 g a 25%, e, ao seu fim, diurético EV (furosemida, 20 mg), visando o retorno de líquidos para o espaço vascular, reduzindo a retenção hídrica. Iniciar o controle do peso, da ingestão de líquidos (500 a 1000 ml) e da diurese de 24 horas. A continuidade do esquema é da alçada do nefrologista e depende das variações biológicas.
Desejando evitar uma evolução ainda mais grave, inclusive renal, a transferência de embriões (TE) Pode ser inicialmente atrasada para o 5º dia após folículo-aspiração, transferindo-se então blastocistos, ao invés de ocorrer no 3º dia, visando a observar e evolução clínica e laboratorial.
A transferência pode ser até mesmo cancelada, sendo os embriões criopreservados e transferidos em ciclo subconsequente.
A opção pela TE obriga manter medicações e controles de modo a evitar complicações tardias. As medicações da rotina pós TE podem ser mantidas, salvo estrógenos e novas aplicações de hCG.
Ainda quanto a medidas preventivas, o ginecologista precisa conhecer antecedentes de hiper-respostas a esquemas brandos anteriores para inseminação clássica, estar atento ao medicar mulheres jovens (menos de 30 anos), magras (IMC menos de 25), e com ovários micropolicísticos típicos ou não, com ou sem síndrome endócrino metabólica, insulina alta, hipersensíveis e alérgicas. Deve-se, nesses casos, iniciar esquemas com doses mínimas, de 50 a 75 UI de GnEx, revistas a cada 5 a 6 dias para eventual aumento, mantendo o bloqueio com GnRH. Mesmo assim já houve relatos de síndromes mesmo com baixas doses de GnEx e também com esquemas de ascensão lenta a cada semana.
A folículo-aspiração, agendada entre 34 a 36 horas após a aplicação do hCG, é realizada habitualmente por via transvaginal, sob sedo-anestesia, através de agulha acoplada ao guia do transdutor de USG (Figura 34.4). Habitualmente e realizada em centros cirúrgicos tipo ambulatoriais (day-clinic). Em ciclos monofoliculares, ou se existir contra-indicação, pode-se realizar o procedimento com anestesia local, apesar de pequeno desconforto para a paciente.

Figura 34.4 Transdutor que acopla agulha.
É necessário jejum de 8 horas e eventualmente se prescreve a realização de fleet enema ou similar, na véspera do procedimento, principalmente nos casos onde o ovário ao controle USG se encontra alto e aderido. Durante o controle do estímulo ovariano, pela história, antecedentes e aspectos ecográficos estima-se as dificuldades eventuais do procedimento.
Raramente depara-se com muitos vasos ou alças, intestinais no caminho dos ovários que, quando bem estimulados, ficam caídos no fundo de saco de Douglas.
Em casos excepcionais, captura-se ovócitos pelas vias videolaparoscópica, videomicrolaparoscópica, transvesical ou transuretral, com controle de USG; transvesical por via transvaginal, também com controle de USG; ou transparietal abdominal, controlada por USG.
O sistema de agulha para captação de ovócitos montado sobre o transdutor de USG (guia), é sistema fechado (Figura 34.5), ligado a bomba aspiradora que, ao ser acionada, promove vácuo em um tubo coletor de Falcon, onde o conteúdo folicular é depositado. Ao penetrar a agulha pelo fundo de saco vaginal, acompanha-se o trajeto da mesma pela sua ponta hiperrefringente. Penetra-se a agulha no estroma ovariano, até perfurar cada folículo e aspirar todo seu conteúdo.

Figura 34.5 Equipo de captção de ovócitos.
É importante que o vácuo realizado seja suficiente para esvaziar o folículo sem, contudo fraturar a zona pelúcida do ovócito. Tampão ou meio de cultura servem para lavagens do folículo se houver a pretensão de forçar o descolamento de ovócitos imaturos. O tubo coletor é trocado a cada folículo ou grupo de folículos, evitando-se que conteúdos inadequados (endometriomas, parede vaginal) comprometam todo o material.
Ao término do procedimento realiza-se exame especular para avaliação dos pertuitos de entrada da agulha em fundo de saco vaginal para eventual necessidade de hemostasia por compressão ou, raramente, sutura.
Caso haja qualquer intercorrência no procedimento, a sala e os equipamentos devem permitir laparoscopia ou laparotomia de urgência.
Identificados os ovócitos, os tubos com líquido folicular são colocados em microestufa ao lado do estereomicroscópio (lupa) e do laboratorista; este verte o material em placa de Petri (Falcon), para localizar rapidamente o cumulus, com células da granulosa, e o ovócito.
Após o reconhecimento, os ovócitos são dispostos, um a um, em gotas de 20 mcl de meio de cultura sob óleo mineral testado para embriões (Figura 34.6). As placas de cultivo são preparadas na véspera, devendo ser equilibradas em estufa de cultura celular, mantida a 5% de CO2, 98% de umidade e temperatura de 37°C. No dia do uso, as gotas de meio de cultura são enriquecidas com 10% de soro albumina humana ou sintética, dependendo dos meios utilizados.

Figura 34.6 Montagem da placa de Petri.
Identificam-se e classificam-se os ovócitos reconhecidos, de acordo com seu grau de maturidade. O ovócito com vesícula germinativa é aquele em que as células da granulosa são menores e compactas; ao se desnudar, ou seja, ao se retirar as células da granulosa com hialuronidase, percebe-se em seu interior um núcleo grande chamado vesícula germinal; naquele em metáfase I ou imaturo o cumulus presente é mais compacto e desaparece a vesícula germinativa; no em metáfase II ou pré-ovulatório, as células ao seu redor se encontram expandidas, presença de corona radiata, cumulus expandido e, quando desnudado, apresenta um corpúsculo polar; o hipermaturo é luteinizado e atrésico.
Duas a seis horas após a folículo-aspiração, os ovócitos pré-ovulatórios (metáfase II) são inseminados com espermatozóides previamente selecionados e capacitados, em número de 100.000 espermatozóides móveis por ml. Não há necessidade de inseminação com maiores concentrações de espermatozóides, fato que leva somente a aumentar a polispermia (entrada de mais que um gameta masculino por ovócito), não melhorando as taxas de fertilização. Em esquemas superovulatórios e folículo-aspiração bem sucedidas, tem-se, pelo menos 80% dos folículos adequados fornecendo ovócitos; destes, 80% em metáfase II por ocasião da inseminação in vitro. Aqueles em metáfase I, com menores chances de fertilização, são maturados in vitro, em meios especiais contendo fator de crescimento, 0,075 UI/ml de FSH e 0,05/ml de LH enriquecidos com 10% de albumina. Os ovócitos imaturos ficam maturando por 12 a 24 horas, sendo inseminados posteriormente.
Após 15 a 19 horas de interação entre gametas masculinos e femininos, retoma-se a cultura, retiram-se as células da granulosa e verifica-se a ocorrência ou não de fertilização. Acredita-se que a penetração do espermatozóide no citoplasma, em si, não traduz a fertilização. A fertilização, para ocorrer, necessita da descondensação da cabeça do espermatozóide, sua transformação em pró-núcleo e indução da formatação do pró-núcleo feminino. Logo, verificamos a presença dos pró-núcleos femininos e masculinos e os corpúsculos polares (Figura 34.7).

Figura 34.7 Ovócito fertilizado. Presença de dois pró-nucleos: masculino e feminino.
Decorridas mais 24 horas, o material mostrará pré-embriões, agora clivados, divididos em dois ou mais blastômeros, permitindo o agendamento da transferência (Figura 34.8). O ideal é que a transferência ocorra com os embriões de seis ou mais células, o que acontece em torno de 50 a 72 horas após inseminação in vitro. Os embriões podem também permanecer em cultura por mais tempo, em meios especiais; chegam atée blastocistos, sendo então transferidos entre o 5º ou o 6º dia pós-inseminação (Figura 34.9). Pré-embriões ou blastocistos supranumerários são criopreservados. A resolução de transferir pré-embriões clivados até oito células ou na forma de blastocisto depende de cada caso, da idade da mulher e do número total de embriões obtidos.

Figura 34.8 Embriões de 4 células, 48 horas após inseminação.

Figura 34.9 Blastocisto, 5 dias após inseminação.
Durante toda a sua evolução, os pré-embriões são classificados diariamente, constituindo uma forma evolutiva de escolha dos melhores, para que estes sejam preferencialmente transferidos para o útero e os restantes viáveis criopreservados.
A primeira leitura para classificação embrionária é realizada entre 12 e 18 horas após a inseminação (FIV ou ICSI), estando os pré-embriões em fase de pró-nucleados. Classificam-se os pró-nucleados de acordo com a simetria entre os pró-núcleos masculino e feminino, seu alinhamento em relação aos corpúsculos polares e a distribuição dos corpúsculos precursores dos nucléolos.27,28
A segunda leitura é realizada entre 40 e 44 horas, quando os embriões devem estar entre 2 e 4 células. São classificados habitualmente quanto ao número de blastômeros, simetria entre os mesmos, quantidade de fragmentação, aparência do citoplasma e número de núcleos em cada blastômero.29 Esta última classificação é reavaliada novamente entre 70 e 72 horas. Alguns serviços escolhem os melhores pré-embriões para a transferência, baseando-se somente na classificação do 3º dia da evolução (72 horas). Dados da literatura mostram que a classificação evolutiva, incluindo a classificação dos PNs é mais eficaz, promovendo maior número de gestações.30
A transferência de pré-embriões (TE) é procedimento absolutamente ambulatorial e sem anestesia. A tendência mundial é transferir somente 2 embriões, visando reduzir as taxas de gestação múltipla.
Após a seleção dos melhores embriões escolhe-se o cateter ideal para transferência embrionária, de acordo com teste prévio (passagem do cateter em ciclo anterior para avaliação de eventuais dificuldades). Os cateteres variam quanto à sua rigidez, presença de camisa externa, presença de guia metálico moldável, podendo ou não apresentar ponta hiper-refringente ao ultra-som (eco-tip).
Nas vésperas da TE, a paciente inicia a utilização de 600 a 800 mg/dia de progesterona micronizada, por via transvaginal, visando adequar o endométrico. Esta dose é mantida por 14 a 16 dias depois da TE, caso não se confirme gravidez, ou até a 8ª à 12ª semana de gestação.
A introdução do cateter é precedida por lavagem do colo uterino, especificamente do orifício externo, com solução tampão ou meio de cultura. Deve-se depositar os embriões a 1 cm do fundo uterino, sendo útil o acompanhamento ultrassonográfico para essa verificação.
Após reconhecimento dos ovócitos no líquido folicular e maturação final in vitro, estes são expostos no máximo por 60 segundos à solução de hialuronidase 80 UI/ml. Esta substância destrói o cimento intercelular da granulosa permitindo que, após a aspiração e trânsito do ovócito diversas vezes através de pipetas Pasteur ou sistema especial para desnudamento, progressivamente com diâmetro menores, este fique livre de todas as células da granulosa ao seu redor. Feito isso, prepara-se placa de cultura contendo gotas de 5 mcl de PVP (polivinilpirrolidone), e gotas de meio de cultura de 5 mcl sob óleo. Nas gotas contendo PVP, coloca-se o material seminal já processado por uma das várias formas antes descritas. Os ovócitos são colocados nas outras gotas contendo meio de cultura.

Figura 34.10 Micromanipulador Narishige.
A técnica da ICSI é semelhante à da FIV clássica, tendo como diferença a inserção de um único espermatozóide dentro do citoplasma do ovócito, com auxilio de microagulha, ao invés de se aguardar a penetração espontânea dos espermatozóides nos ovócitos. A agulha é movimentada com auxílio de sistema de miocromanipulador (Figura 34.11).

Figura 34.11 Imobilização do espermatozoide.
Após o preparo, monta-se o sistema de micromanipulação e inicia-se a ICSI. A micropipeta de injeção (injection) é levada à gota onde os espermatozóides se encontram; posteriormente à imobilização do gameta, este é aspirado pela cauda e levado para a gota contendo o ovócito.
O ovócito é aspirado por outra micropipeta (holding), de forma a fixá-lo com o corpúsculo polar às 12 ou 6 horas. Apóia-se a injection na zona pelúcida do ovócito aproximando o espermatozóide ao máximo da sua extremidade distal. Introduz-se a agulha às 3 horas, atravessando a zona pelúcida até quase atingir o pólo oposto, perfurando o oolema e formando uma espécie de canal no citoplasma (Figura 34.12). Após o ICSI, acompanha-se a evolução de forma semelhante à FIV convencional.
Figura 34.11 Imobilização do espermatozoide.
Após o preparo, monta-se o sistema de micromanipulação e inicia-se a ICSI. A micropipeta de injeção (injection) é levada à gota onde os espermatozóides se encontram; posteriormente à imobilização do gameta, este é aspirado pela cauda e levado para a gota contendo o ovócito.
O ovócito é aspirado por outra micropipeta (holding), de forma a fixá-lo com o corpúsculo polar às 12 ou 6 horas. Apóia-se a injection na zona pelúcida do ovócito aproximando o espermatozóide ao máximo da sua extremidade distal. Introduz-se a agulha às 3 horas, atravessando a zona pelúcida até quase atingir o pólo oposto, perfurando o oolema e formando uma espécie de canal no citoplasma (Figura 34.12). Após o ICSI, acompanha-se a evolução de forma semelhante à FIV convencional.

Figura 34.12 Introdução da agulha e deposição do espermatozoide.
Com a introdução na genética molecular de técnica como o FISH (fluorescent in situ hibridization) e PCR (polimerase chain eaction), que permitem o exame da composição genética por meio de uma única célula, e com as técnicas de micromanipulação de gametas e embriões, passou a ser possível a realização do diagnóstico pré-implantacional (DPI).
Este diagnóstico pode ser realizado antes da fertilização, obtendo-se para exame os corpúsculos polares do ovócito. Nestas condições avalia-se somente as patologias onde a mulher é portadora. Esta técnica é somente utilizada em países como a Alemanha, onde a biópsia do embrião é proibida por questões ética e religiosas.
Atualmente prefere-se o estudo genético de 1 ou 2 blastômeros obtidos diretamente de embriões de 6 a 8 células. Cabe lembrar que os blastômeros escolhidos para a biópsia devem apresentar seu núcleo bem visível. Logo, embriões muito fragmentados, com baixo escore morfológico não devem ser submetidos a biópsia. As biópsias do trofoblasto de blastocistos também podem ser realizadas 18 a 24 horas após provocar-se mecanicamente uma abertura na zona pelúcida com agulha fina ou com o laser, através da qual parte do trofoblasto se exterioriza espontaneamente, permitindo sua retirada para análise (há variantes nesta técnica).
Procura-se nos blastômeros ou em células do trofoblasto a existência da alteração gênica ou cromossômica determinada. Uma vez diagnosticado o acometimento do embrião, este não é transferido para o útero da mulher.

Figura 34.13 FISH de blastômero normal, 2 pares de cromossomos 16, 18, 21, X e Y.
Eventuais aplicações do DPI como exame de triagem de cromossomopatias em mulheres com idade avançada são de certa forma, questionáveis, pois a biópsia não abrange o estudo de todas as anomalias, além da problemática da existência do chamado mosaicismo, ou seja, o embrião apresenta 2 linhagens celulares distintas, sendo uma normal e outra patológica, podendo ser submetidos a biópsia somente blastômeros normais. Por esse motivo, é obrigatória, após o DPI, a confirmação de normalidade, pela realização de amniocentese ou biópsia de vilo corial durante a gestação inicial. Difícil é o convencimento das mulheres em realizar o procedimento em função de existir 0,5 a 1% de chance de abortamento, já que o DPI mostrou normalidade.
A criopreservação de sêmen ejaculado após processamento e materiais de epidídimo e testículo é técnica amplamente utilizada e aplicada com excelentes resultados. Homens acometidos por tumores de testículo, que serão submetidos a cirurgia, quimioterapia e radioterapia, podem manter sua fertilidade por criopreservação do sêmen, que poderá ser utilizado para futuras inseminações de suas parceiras.
Em contrapartida, a criopreservação de tecido ovariano é ainda experimental e seus resultados são questionáveis em função da dificuldade em maturar este tecido para obtenção de óvulos em metáfase II. Técnica promissora é o congelamento rápido diretamente de ovócito.30
A criopreservação de embriões é técnica também consagrada pelos seus bons resultados. Pode ser realizada por vários métodos, entre eles a congelação rápida, ou com planner (equipamento que promove queda de temperatura programável), utilizando soluções como PROH (1,2 propanodiol) ou DMSO (dimetil sulfóxido).
Gametas e pré-embrioes criopreservados são armazenados em containers com nitrogênio liquido a -180°C.
A criopreservação de embriões é realizada quando há embriões viáveis extranumerários (número além do que é permitido para a transferência uterina), que podem ser transferidos em ciclo subsequente se não houver gestação no presente ciclo, somando chance de gravidez. Também em casos onde a transferência não pode ser realizada por risco de síndrome de hiperestímulo, impossilidade de passagem de cateter pelo colo uterino por estenose e inviabilidade do endométrico, entre outros.
O congelamento obriga os pacientes a assinarem consentimento informando que, segundo as leis vigentes no Brasil, os obriga a num prazo máximo de 3 anos definirem o destino dos embriões, podendo estes serem transferidos para o útero da paciente ou serem doados para outros casais ou para pesquisa, principalmente para obtenção de células-tronco embrionárias.31
Em março de 2005 foi aprovada no Brasil a lei de bio-segurança, que permite, para fins de pesquisa, a doação de embriões inviáveis ou embriões congelados há 3 anos ou mais, a partir da data da promulgação da lei, para obtenção de células-tronco embrionárias.
Inicialmente, os embriões devem atingir estágio de blastocisto, para após digestão da zona pelúcida e destruição do trofoblasto, obter a massa celular interna que, cultivada em feeder layers de fibroblastos de embriões de ratos inativados por irradiação, dariam origem às colônias de células-tronco.
Trabalhos recentes mostraram a obtenção de linhagens, sem a necessidade de co-cultivo com células de animais, e sim com fibroblastos de placenta humana.32 Além disso, Klimanskaya33 obteve linhagem a partir de único blastômero, obtido por biopsia embrionária, não destruindo assim o embrião original, o que torna mais fácil a evolução dessas pesquisas do ponto de vista ético e, principalmente, religioso.
Pesquisas estão sendo desenvolvidas quanto à obtenção de linhagens a partir de único blastômero íntegro de embriões extranumerários inviáveis para criopreservação em meios de cultivo livres de proteínas animais.